segunda-feira, 18 de abril de 2011

Jogo - Podemos apostar nele ?

JOGO - PODEMOS APOSTAR NELE?



O mundo dos jogos de azar é muito parecido com o das drogas. Você não injeta, fuma nem cheira as apostas, mas, se quiser, tem ao seu dispor jogatinas legais como a bebida ou ilegais como a cocaína. Existem também jogos viciantes como o crack e outros menos perigosos. Há quem aposte durante a vida inteira sem qualquer problema e há quem sinta tonturas, enjôos e depressão se passar um só dia longe de um caça-níqueis. Até os problemas sociais são parecidos: alguns acreditam que os jogos estejam intimamente ligados à criminalidade e outros não encontram relação alguma. Mas, acima de tudo, os dois - narcóticos e cassinos - movimentam bilhões e não se chega a um acordo sobre se o melhor é proibir ou liberar.

Existe, no entanto, uma grande diferença: a turma pró-jogo até agora está ganhando a partida no planeta. O Brasil está entre as exceções. Além de Cuba, somos o único país entre as principais nações turísticas que ainda não colocou todas as fichas em um negócio que, pelo menos à primeira vista, é uma mina de ouro. Os cassinos norte-americanos, por exemplo, faturam por ano mais de 30 bilhões de dólares. Será que estamos certos ou errados? Com a polêmica em torno dos bingos ainda fresca na memória (em março último, o governo Lula fechou as casas e depois teve que voltar atrás), esse é um bom momento para debater o assunto em toda sua complexidade médica, econômica, social e moral. É o que tentamos fazer nas próximas páginas.

Como nossas leis tratam os jogos de azar?

Em tese, o modelo atual é bastante simples: o governo federal detém o monopólio da jogatina no Brasil. Pode parecer um tanto fora de moda, mas é assim que a coisa funciona há mais de meio século. Desde então, se você lida com jogos de azar e não é o governo federal, você teoricamente é um contraventor. "No entanto, a lei não vem sendo cumprida. Até mesmo os estados desrespeitam a legislação vigente. As loterias estaduais se tornaram concorrentes diretas do governo federal", diz Paulo Campos, Superintendente Nacional de Loterias da Caixa Econômica Federal.

Reza a lenda que a jogatina caiu em desgraça por obra da mulher do presidente Getúlio Vargas, Darcy Vargas. Um belo dia, ela teria voltado da igreja com a missão de convencer o marido a acabar de vez com um "antro de perversão", o Cassino da Urca, a mais famosa casa de jogos do Rio de Janeiro, então capital federal. Lenda ou fato, a realidade é que em 1941 a lei 3688/41 botou na ilegalidade todo mundo que ganhava a vida girando roletas. Duas décadas depois, em meados dos anos 60, o governo estatizou de vez os jogos de azar, criando as loterias esportivas. A intenção na época era nocautear o jogo do bicho, que, apesar de fora da lei, ia muito bem. O tiro não acertou o alvo, mas também não saiu pela culatra. O jogo do bicho está aí até hoje, atualmente com três extrações diárias. No entanto, as loterias foram um sucesso e se transformaram em excelente fonte de renda. Só no ano passado, as nove modalidades existentes (Mega-Sena, Lotomania, Dupla Sena, Lotofácil, Quina, Instantânea, Loteria Federal, Loteca e Lotogol) arrecadaram juntas 3,5 bilhões de reais. Para comparar, o movimento de loterias nos Estados Unidos é de 44 bilhões de dólares e, na Europa, entre 7 e 10 bilhões de dólares.

Em 1993, o cenário da jogatina mudou e casas de bingo começaram a pipocar país afora. Estranho? Sim, mas não é difícil entender como isso aconteceu. Uma nova lei, apelidada de Lei Zico, abriu o precedente. No cargo de ministro dos Esportes, o ex-jogador do Flamengo adaptou para o Brasil uma experiência espanhola em que os recursos obtidos com bingos são revertidos para o esporte. A Lei Zico determinava que entidades esportivas oficiais, com a fiscalização do governo federal, poderiam operar casas de bingo desde que 7% do faturamento bruto fosse investido em programas sociais. Como as tais entidades esportivas não tinham dinheiro para viabilizar negócios tão vultosos, ficou estabelecido que seriam permitidas parcerias com a iniciativa privada. Daí novas leis surgiram, outras regras foram estabelecidas e não se criou uma legislação específica para uma modalidade de jogo que, no fim das contas, acabava com o monopólio do Estado sobre a atividade. Virou uma bagunça geral, com os bingos funcionando - até agora, diga-se - na fronteira entre a legalidade e a ilegalidade. Afinal, basta se associar a um clube ou federação e você já poderá desafiar a regra que proíbe o jogo no país.

Por que o jogo é proíbido no Brasil?

Dos 108 países que formam a Organização Mundial de Turismo, somente dois proíbem o jogo: Cuba e Brasil. O caso cubano dispensa explicações. A ilha de Fidel Castro é um mundo à parte. Por aqui, a proibição da jogatina se sustenta em três pilares: jogo exige uma estrutura de fiscalização de que o país não dispõe, atrai a bandidagem e vicia. As justificativas fazem sentido: cassinos e afins são historicamente ligados a problemas sociais e criminalidade. Mas os defensores dos jogos de azar também têm seu arsenal de argumentos que, no mínimo, merecem ser levados em conta. Cigarro e álcool também causam dependência e problemas sociais e nem por isso são proibidos. Por que então banir somente o jogo? É quando começa então a disputa em torno de cada um dos três argumentos.

O primeiro ponto - o de que a jogatina é muito difícil de se regular - tem bastante verdade. "Quando conseguimos comprovar uma irregularidade em uma empresa de bingos, ela desaparece e outra brota no lugar, o que torna impossível recuperar os impostos sonegados. Os donos são geralmente laranjas. Não temos nem como executar bens", diz o secretário-adjunto da Receita Federal, Paulo Ricardo Souza Cardoso. Ele, que lida no dia-a-dia com os obstáculos para controlar a jogatina, diz que existem motivos suficientes para banir o jogo. "Posso garantir que essas casas sonegam, operam com equipamentos contrabandeados e, em muitas delas, a sorte do cliente é manipulada", afirma. O ex-secretário da Receita Federal e hoje consultor tributário Everardo Maciel compartilha da opinião. "Pode um país em desenvolvimento, com tanta demanda de fiscalização, desviar recursos humanos e financeiros para o controle de uma atividade de alto risco? É uma visão ingênua, de quem está fora da máquina do governo, imaginar que há condições de fiscalizar um setor com tamanha tradição de corrupção", diz.

O fato é que um mínimo de controle já traz bons resultados. Entre 2000 e 2001, os bingos foram fiscalizados pela Caixa Econômica Federal e, nesse período, a arrecadação de impostos girava em torno de 200 milhões de reais. Mas a Caixa logo saiu de cena por causa de um conflito de interesses: já controlava as loterias federais, concorrentes diretas dos bingos. "Depois que a CEF saiu do páreo, a arrecadação é praticamente insignificante", diz Paulo.

Ok, a sonegação existe, mas nem todos concordam que erradicar os cassinos seja a única alternativa. No livro Teoria da Imposição Tributária, o jurista Ives Gandra, um dos mais renomados tributaristas do país, defende com unhas e dentes a liberação de toda e qualquer atividade que transite no limite entre a licitude e da ilicitude. Ele acredita que proibir diminui as receitas e estimula o crime organizado a assumir o controle (e os lucros) desses negócios. "A forma mais eficaz de desestimular uma atividade indesejável é a tributação elevada. Controle rigoroso e muito imposto são melhores para um país do que a clandestinidade", diz Ives. Atualmente, como não há leis específicas, as casas de bingo pagam praticamente os mesmos impostos de um negócio qualquer. No caso do cigarro e da bebida, a história é diferente. De cada cinco cigarros vendidos, o governo abocanha quatro. Dependendo do tipo de bebida, paga-se até 75% do valor total.

A segunda questão do debate, a relação entre o jogo e o crime, também é polêmica. O principal ponto é a possibilidade de se utilizarem as casas de jogos de azar para a lavagem de dinheiro de outras operações ilícitas. Para o norte-americano James Wygand, ex-presidente no Brasil da Control Risks, uma das maiores empresas de investigação de riscos do mundo, não há dúvida de que jogo é um ramo que facilita a ação do crime organizado. Mas isso não seria uma razão para proibir o negócio. "Locais onde o giro de dinheiro em espécie é grande são propícios para lavar dinheiro. O problema, no entanto, não é do jogo em si. Nos Estados Unidos, a máfia já foi afastada dos cassinos. Depende de ação", diz. Em tese, lavar dinheiro em apostas é bastante simples: basta combinar com o dono da casa e simular um prêmio. Com o comprovante de que o dinheiro foi ganho no jogo, o dinheiro, de onde quer que ele tenha vindo, sai limpinho. Só que, na prática, pode não ser tão vantajoso. "Lavar dinheiro em bingo é burrice e sai caro. O ganhador paga 30% de imposto sobre o valor do prêmio. Tem formas bem mais baratas", garante Olavo Sales Silveira, presidente da Associação Brasileira de Bingos (Abrabin). Resta então o terceiro argumento a favor da proibição - o vício.

Jogar faz mesmo mal à saude?

Taí uma pergunta que não gera polêmica. Entre os estudiosos, a resposta é um consenso: jogo, assim como álcool ou cocaína, pode causar dependência. A inclusão oficial do vício em jogatina no rol das patologias aconteceu em 1992, quando a Organização Mundial de Saúde botou o jogo compulsivo no Código Internacional de Doenças. Mas há muito tempo já se suspeitava que jogar faz mal à saúde.

No ensaio intitulado "Dostoiévski e o Parricídio", escrito em 1928, o psicanalista Sigmund Freud associou o descontrole do escritor russo Fiódor Dostoiévski nas roletas aos eventos traumáticos de sua vida, principalmente a morte do pai. Para Freud, Dostoiévski, o jogador mais célebre da história, não jogava por dinheiro. Jogava porque era um viciado. A melhor descrição da sua compulsão está em seu livro O Jogador, de 1866, época em que não conseguia se afastar dos cassinos. "Com que emoção, que aperto no coração, eu ouvia os números do crupiê. Com que avidez eu olhava a mesa de jogo, na qual são esparramadas pilhas de peças de ouro que se desmancham sob o rodo em montes reluzentes como brasa. Antes mesmo de alcançar o cassino, só mesmo de ouvir o tilintar das moedas, eu me sentia prestes a desfalecer", escreve Dostoiévski em um trecho do livro.

Se não fumamos, bebemos, cheiramos ou injetamos apostas, como nos viciamos em jogo? Para responder a questão, cientistas da Universidade Harvard (que, aliás, foi criada com o dinheiro do jogo), nos Estados Unidos, realizou uma experiência elucidativa. Eles deram cocaína a uma pessoa e uma máquina de apostas a outra e analisaram os dois com ressonância magnética funcional, uma parafernália que mede a atividade em cada parte do cérebro por meio do fluxo sanguíneo em cada região. O resultado foi que a cocaína e a máquina de apostas ativavam as mesmas estruturas cerebrais. "Quando um jogador está em ação, ele fica superexcitado, provocando no cérebro um aumento exacerbado de dopamina (neurotransmissor associado ao prazer). Quando ele pára de jogar, os neurônios alterados pedem mais dopamina, assim como pedem mais cocaína a um viciado na droga", afirma a psiquiatra Valéria Lacks, do Programa de Atendimento ao Dependente (Proad), da Universidade Federal de São Paulo.

Não se sabe com precisão o número de jogadores compulsivos no Brasil - o que normalmente se faz é uma estimativa com base no tamanho do problema em outros países. Segundo a OMS, em sociedades urbanas desenvolvidas, 80% da população adulta faz uma fezinha pelo menos uma vez por ano. Desse mundaréu de jogadores esporádicos, 3% enfrentam problemas por causa de jogo, como dívidas ou desentendimentos familiares, e 2% são efetivamente doentes. Fazendo as contas, temos 4,08 milhões de potenciais jogadores patológicos e 2,72 milhões de viciados entre nós. Embora a ciência ainda não explique por que algumas pessoas viciam em jogo e outras não - já que praticamente todo mundo joga -, existem alguns indícios que lançam um pouco de luz na escuridão. Sabe-se que filhos de pais acoólatras têm predisposição a jogar. E que pessoas que são expostas freqüentemente a jogos de azar, como quem mora perto de um cassino, também. Os outros fatores de risco são: personalidade impulsiva, tendência ao isolamento, ansiedade e depressão. "Os jogadores patológicos têm perfil parecido. São pessoas muito inteligentes e estáveis financeiramente. Quando sofrem algum trauma, se descontrolam e destroem a vida no jogo", diz a psicóloga Juliana Bizeto, do Proad.

O mundo dos jogadores compulsivos é bem mais sombrio do que imaginamos. Em estágios avançados da doença, eles sofrem com crises de abstinência: sudorese, tremores, náuseas, depressão aguda e até mesmo ataques cardíacos. Cerca de 18% deles tentam o suicídio. Assim como os dependentes de drogas, os viciados em jogo também se isolam do mundo, perdem o interesse pela família e pelo trabalho e só conseguem obter prazer apostando. Basta ir a uma reunião do Jogadores Anônimos, JA (no Brasil, são 14 grupos, espalhados em sete estados), para se ter a noção exata da ruína financeira, moral e física provocada pela jogatina. "Em 20 anos de jogo, perdi muito mais que dinheiro. Perdi o caráter. Só estou aqui porque fui parar na cadeia. Sou biomédico e minha sócia me denunciou por desvio de dinheiro no laboratório", diz um homem de 45 anos. "A minha única inspiração na vida era o jogo. As máquinas caça-níqueis foram a minha ruína. Com elas arrumei o jeito ideal de perder dinheiro e de me destruir. Vim para cá depois de tomar mais de 100 comprimidos para dormir. Eu queria dormir para sempre", afirma uma moça de 32 anos.

Todo tipo de jogo vicia?

Sim. Mas, do ponto de vista médico, existem jogos leves e jogos pesados, tal como as drogas (veja a tabela à esquerda). Máquinas caça-níqueis, por exemplo, são consideradas o crack da jogatina. Segundo os estudiosos, entre 40% a 60% das pessoas que usam freqüentemente essas máquinas tornam-se compulsivas. Já as loterias seriam, digamos, a maconha. Não fazem bem para a saúde, mas também não causam grandes danos. "Quanto maior o intervalo entre a aposta e o resultado, menos viciante é o jogo. O resultado das loterias demora uma semana para sair. Então elas não são um grande problema. Nos jogos eletrônicos, o tempo é de microssegundos. A rapidez alimenta a compulsão", explica Hermano Tavares, psiquiatra e fundador do Ambulatório do Jogo Patológico e outros Transtornos do Impulso (AMJO), do Instituto de Psiquiatria da USP.

Mas não é só a rapidez nos resultados que faz um compulsivo. Outros detalhes interferem, como o barulho de moedas caindo nas maquininhas caça-níqueis. "Alguém já viu cair notas?", pergunta a psicoterapeuta Thais Grace Maluf, do Proad. "Os apostadores recolhem o dinheiro em baldes. Isso aumenta a sensação de ganho e, conseqüentemente, a vontade de jogar", diz. Ela relata um teste feito nos Estados Unidos em que colocaram lado a lado duas máquinas, uma com barulho e outra silenciosa. "As pessoas jogaram menos nas máquinas sem barulho", afirma Thais. O ambiente dos cassinos e bingos também são considerados fatores de risco. "Os jogadores ficam extremamente confortáveis. Algumas casas oferecem bebida e comida de graça. Como não há relógios ou janelas por ali, perde-se facilmente a noção de tempo", diz a psicóloga Regina Britzky De Sorde, também do Proad. "Tudo é preparado para seduzir. E o intervalo de apostas, claro, é o menor possível. Normalmente nem esperam a pessoa saber se perdeu ou ganhou para iniciar outra rodada", diz.

A distinção entre jogos leves e pesados criou até mesmo uma opção diferente de tratamento para os jogadores compulsivos. O novo conceito não propõe como meta que o jogador abandone o vício de uma vez por todas. A idéia é apenas reduzir os danos. É a mesma lógica de se oferecerem seringas a viciados em drogas injetáveis para evitar a aids. "No caso dos jogadores, mostramos opções de modalidades de jogo menos aditivas", afirma a psicóloga Juliana.

Proibir resolve o problema da dependência?

Muito pouco se sabe sobre a relação entre a facilidade de jogar e o jogo compulsivo. Pesquisadores defendem a relação como fato, mesmo sem pesquisas conclusivas sobre o tema. De tempos em tempos, surgem estudos que levantam a discussão. Pesquisadores da Escola de Medicina de Auckland, Nova Zelândia, por exemplo, fizeram o seguinte teste em 1996: analisaram ligações recebidas por um centro de apoio a jogadores patológicos seis meses antes e seis meses depois da inauguração do segundo cassino da Nova Zelândia. O número de chamadas aumentou de 510 para 826. Nos primeiros seis meses, 25% das ligações estavam relacionadas a corridas de cavalos e de cachorros, 49% a máquinas caça-níquel, 24% a cassinos e 2% se referiam a outras modalidades de jogo. Na segunda metade do trabalho, os telefonemas mencionando cassinos saltaram de 24% para 44%.

"Antes da liberação dos jogos de azar em praticamente todos os Estados Unidos, era facilmente perceptível a prevalência de jogadores patológicos nos locais onde a lei favorecia a exposição às apostas. Atlantic City, por exemplo, tinha a maior incidência de doentes do país", diz Hermano Tavares, psiquiatra e fundador do AMJO. "O número de jogadores patológicos que atendemos quadruplicou com a abertura de casas de bingo em São Paulo", afirma a psicóloga Juliana Bizeto, do Proad.

Como faltam provas e sobram indícios, muitos países onde o jogo é liberado estão alterando suas leis aqui e acolá na tentativa de diminuir o número de viciados e minimizar o impacto na sociedade. Na Austrália, país onde mais se joga no mundo (90% da população aposta pelo menos uma vez por ano), máquinas caça-níqueis e toda sorte de versões eletrônicas dos jogos de azar estão espalhados pelas cidades, em bares ou boates. O governo, no entanto, já acenou com a possibilidade de confiná-las apenas a lugares restritos ao jogo - ou seja, a cassinos.

Afinal, vale a pena legalizar?

"A legalização do jogo, de fato, trouxe muito lucro para o país. O dinheiro que antes abarrotava o bolso de criminosos agora enche os cofres públicos. Mas há uma conseqüência muito relevante nesse debate. O governo se tornou extremamente ambicioso na exploração de uma atividade que claramente causa problemas sociais", afirmou o economista Peter Reuters, da Universidade de Maryland, Estados Unidos, no livro Drug War Heresies ("Heresias da Guerra contra as Drogas", inédito no Brasil). Liberal convicto, Reuters defende que, mesmo que o jogo gere renda, o Estado não pode se tornar também um jogador compulsivo. Tem, sim, que impor limites.

À primeira vista, jogos de azar são uma mina de ouro. É uma das indústrias que mais crescem nos Estados Unidos. Durante a década de 90, o faturamento dos cassinos mais que triplicou - saltou de 8,7 bilhões para 31,8 bilhões de dólares. Há uma década, havia roletas em apenas 20 cidades norte-americanas. Hoje existem cassinos em 200 cidades e a expectativa é de mais crescimento. A previsão de faturamento para 2004 dos cassinos de Las Vegas, meca dos jogadores, gira em torno de 7,6 bilhões de dólares. Atlantic City, outro reduto da jogatina, espera 4,4 bilhões. No geral, os cidadãos daquele país gastam atualmente mais dinheiro jogando que na soma dos gastos em entretenimentos como cinema, jogos esportivos, parques de diversões, compra de CDs e de livros.

No entanto, qualquer que seja o jogo, existe uma pessoa que perde para cada pessoa que ganha - e a regra continua valendo mesmo nessa escala de bilhões de dólares. É por isso que alguns pesquisadores começaram a investigar o desvio do dinheiro de outras atividades econômicas para a indústria da jogatina. Uma das principais pesquisas nesse ramo foi feita pelos economistas Earl Grinols, da Universidade de Illinois, e David Mustard, da Universidade da Geórgia, ambas nos Estados Unidos. Segundo eles, não se pode contabilizar o lucro dos cassinos sem subtratir do balancete final algumas pendências, como o efeito negativo das roletas em outros tipos de negócio, o gasto com jogadores patológicos e o aumento de criminalidade nos locais de jogatina. Botando tudo na ponta do lápis, os dois economistas calculam que os custos superam os ganhos em 27,5 bilhões de dólares todos os anos. "Essa é uma história engraçada. Em Atlantic City, há alguns anos, ficou muito famoso o caso do roubo de geléias e pães dos hotéis. A polícia descobriu que os funcionários perdiam todo o salário na roleta e, para não apanhar em casa, assaltavam a despensa", diz o economista americano James Wygand, da Control Risks.
É claro que grande parte da discussão em redor do jogo - assim como acontece com as drogas - envolve questões morais e os valores de cada pessoa. Mas é essencial considerar todos os fatores econômicos, sociais, médicos e legais antes de defender um lado ou outro. Qualquer que seja a decisão, ela irá alterar o destino de milhões de pessoas e de bilhões de dólares. Pode apostar.

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