quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Intimidade Escancarada - Monitoramento digital

INTIMIDADE ESCANCARADA - Monitoramento digital



Se você acha que sua privacidade já tem sido suficientemente desrespeitada pelas câmeras espalhadas por todos os cantos, pelos programas-espiões de computador, pelos telefonemas invasivos de telemarketing e por tantas outras pragas do mundo moderno, prepare-se: o futuro promete ser bem pior. O barateamento e a conseqüente difusão de determinadas tecnologias fará com que nenhum de nós consiga dar dois passos sem que alguém, em algum lugar, seja capaz de dizer por onde andamos.

Uma idéia do que vem por aí foi dada recentemente pela revista americana Reason. Em sua edição de junho de 2004, ela apresentou o que considera alguns aspectos positivos de uma sociedade com "privacidade zero". A capa da revista foi personalizada para cada um dos assinantes - são mais de 40 000 -, com o nome da pessoa, a foto aérea da casa de cada uma e a manchete: "Eles sabem onde você está!". O anúncio na contracapa foi também personalizado para cada assinante e sua vizinhança. A intenção da revista foi mostrar que, no futuro, será possível fazer uma publicação hiperindividualizada para cada leitor - com notícias, análises, comentários e anúncios preparados sob medida. E isso só será possível graças à "databasificação" da sociedade, ou seja, ao enorme e crescente volume de informações pessoais disponíveis nos mais diversos bancos de dados, ao alcance de quem quiser.

De acordo com o artigo da Reason, a perda da privacidade pode tirar o sono de muita gente, mas também tem suas vantagens: impulsiona a economia e torna a vida mais conveniente. Por exemplo, com informações que coletam sobre seus potenciais clientes, as empresas financeiras conseguem identificar quem são bons ou maus pagadores. Assim, podem barrar os caloteiros e conceder crédito mais barato aos que têm boa reputação na praça.



CAMINHO SEM VOLTA

No livro The Transparent Society (A Sociedade Transparente), de 1998, o físico americano David Brin defende a idéia de que já não adianta lutar contra a perda da privacidade. Agora, o jeito é brigar pela democratização e padronização das informações obtidas pelos métodos de controle da sociedade. Brin alerta para o fato de que, se as regras nesse sentido não forem estabelecidas desde já, a privacidade poderá se transformar em um privilégio reservado à elite.

Sob muitos aspectos, a perda da privacidade deve contribuir para realçar as diferenças sociais. Se hoje os vendedores de uma loja avaliam o potencial de um cliente com base apenas na aparência, no futuro eles terão embasamento instantâneo para definir quem deve receber um tratamento vip. A previsão é que, por volta de 2050, um grande banco de dados com informações sobre toda a população deve transformar a vida de cada um em um verdadeiro "livro aberto". Quem entrar em qualquer loja será imediatamente identificado não apenas pelo nome, mas também por outras informações pessoais, como a idade, o estado civil e os hábitos de compra.

Em 2030, o sistema atual de identificação com RG e CPF soará como pré-histórico graças aos avanços da biometria, a ciência que estuda características únicas dos indivíduos, capazes de diferenciá-los dos demais integrantes da população. O método de biometria mais cotado para se tornar o predominante daqui a alguns anos é o da identificação pela íris. Equipamentos ligados ao sistema de identificação estarão espalhados por todos os lugares, controlando o acesso a espaços públicos como empresas, lojas, estádios, condomínios, universidades e aeroportos. O sistema será acionado também nas movimentações financeiras. Assim, todos os passos de um cidadão ficarão registrados eletronicamente. Na verdade, nem precisamos ir tão longe no futuro. Hoje, ferramentas de busca como Google e Yahoo! conseguem manter um histórico de todas as pesquisas que você faz na internet.



OLHO NO CELULAR

Por volta de 2010, o telefone celular deverá ter-se consolidado como objeto não apenas de comunicação, mas de vigilância coletiva. Em 2004, foram vendidos em todo o mundo quase 200 milhões de celulares com câmeras embutidas. Já há casos nos Estados Unidos de assaltantes presos graças a fotos tiradas por aparelhos de celular e fornecidas à polícia. A possibilidade de que situações assim - para o bem ou para o mal - se tornem mais comuns aumenta à medida que a tecnologia gera produtos cada vez mais compactos e fáceis de ocultar. Em 2020, as indiscretas câmeras estarão nos óculos, nas canetas e nos anéis, exatamente como imaginado nos filmes de James Bond.

O potencial de vigilância dos celulares não se limitará às câmeras. Em mais alguns anos, os aparelhos terão incorporado a localização pela tecnologia GPS, recurso que, em função do alto custo causado pela utilização de satélites, esteve inicialmente reservado a situações como expedições a lugares inóspitos ou monitoramento de caminhões. O GPS será também aplicado a automóveis de passeio e até mesmo a roupas sofisticadas, tudo para facilitar a localização de pessoas em caso de seqüestro.

Com a mesma intenção de rastrear crianças desaparecidas ou seqüestradas, muitos pais decidirão implantar microchips de localização em seus filhos. As crianças, aliás, serão umas das maiores vítimas da invasão de privacidade nas próximas décadas. Muitas escolas já têm câmeras instaladas nas salas de aula e conectadas em tempo real à internet, tendência que tende a se tornar regra diante de pais cada vez mais ansiosos com o desempenho escolar dos filhos.

A presença dos "olhos artificiais" também tem sido cada vez mais percebida pelos funcionários das grandes corporações. Muita gente já se habituou a trabalhar o tempo todo sob a mira de uma câmera de vigilância. Nas próximas décadas, entretanto, a privacidade será ameaçada não apenas pelas ações do governo ou das empresas, mas também pelo cidadão comum. A democratização do acesso a recursos de vigilância deve despertar uma onda de voyeurismo. Quem garantirá que o simpático organizador daquele churrasco no salão de festas não terá instalado uma microcâmera nos banheiros?
Os legisladores já começam a se preocupar seriamente com essas possibilidades. Em setembro de 2004, o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma lei que ficou conhecida como "antivoyeurismo". Ela prevê até um ano de prisão para quem fotografar genitais, nádegas e seios em lugares públicos sem consentimento. A lei foi criada a partir da proliferação de casos de câmeras escondidas em chuveiros, piscinas, quartos de hotel, banheiros e provadores de roupas em lojas.


Tendências




- RASTREAMENTO

Dentro de mais alguns anos, a popularização de tecnologias como o GPS vai permitir a localização de pessoas em qualquer parte do mundo.



- OLHOS ARTIFICIAIS

Em 2020, microcâmeras deverão ser instaladas nos lugares mais improváveis, como em óculos e anéis.



- IDENTIFICAÇÃO

Em 2030, equipamentos de identificação estarão espalhados por toda a parte, controlando o acesso a lugares como empresas, condomínios e universidades. Todos os passos de uma pessoa ficarão registrados.



- CRIANÇAS
As crianças serão umas das maiores vítimas da invasão de privacidade nas próximas décadas. Alguns pais vão implantar microchips nos filhos para poder monitorar seu paradeiro.


Seqüestro de e-mail




Imagine receber o seguinte e-mail: "Interceptamos a mensagem enviada por você no último dia 12, às 10h47, e a julgamos sigilosa o suficiente para que você não queira torná-la pública. Para evitar que isso aconteça, esteja às 14 h de amanhã na floricultura da praça em frente ao seu escritório, com 5 mil reais em dinheiro dentro de uma pasta. Qualquer tentativa de inviabilizar o negócio trará péssimas conseqüências para você e sua família".

Pode parecer ficção científica, mas o seqüestro de e-mails ou de qualquer outra informação importante que esteja na memória de um computador é mais uma modalidade criminosa que deve se espalhar em breve. Especialistas prevêem que todo tipo de crime praticado na "vida real" acabará, de alguma forma, transferido para o universo virtual.
O correio eletrônico é um sistema vulnerável, especialmente no período em que a mensagem fica armazenada no servidor, antes de ser distribuída. Fazendo uma analogia com o correio convencional, os especialistas em informática dizem que os e-mails são como aqueles cartões-postais sem envelope: qualquer um pode ler antes da entrega ao destinatário.


São Paulo, 15 de janeiro de 2035




Colocou o dedão no identificador. Aí veio o desastre previsível: além de borrar o esmalte, o bicho fez o favor de avisar que ela deveria remarcar seu papanicolau. O porteiro não precisava saber disso, mas ela confiou que ele também não soubesse o que era um papanicolau. Subiu no elevador tentando esconder a falha de esmalte com cuspe. Não conseguiu, mas pelo menos os vigilantes do prédio tiveram um momento de diversão com o vídeo. Quando se sentou em frente ao computador, desistiu de se lamentar pela unha da mão e resolveu apreciar seu pé, pela primeira vez esmaltado de vermelho. Tirou uma foto das unhas e subiu no fotolog. Aproveitou o momento, apontou a webcam para os pés e mostrou aos amigos do Messenger seu ato de ousadia. Isso rendeu uma hora de conversa, dez posts em blogs e um saudável adiamento do trabalho. Às 16h30, foi chamada para uma videoconferência com Miami.

Lá soube que sua meta de vendas deveria aumentar e que o gerente de Miami não usava fio dental. Saiu da reunião, voltou ao computador e enviou seu currículo para a concorrência, onde ela não seria tão exigida nem precisaria ver brócolis entre os dentes de seu chefe. Fim do expediente: apagou a pasta com 4 178 spams. No carro, a balança do automóvel avisou que ela havia engordado um quilo. Chegou em casa e ouviu a mãe na secretária eletrônica pedindo notícias. Não retornou. A última coisa que precisava era de alguém se metendo em sua vida.


Daniela Abade é escritora, criadora do site www.mundoperfeito.com.br e autora de Depois que Acabou (Gênese, 2003) e Crônicos (Agir, 2004)



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