sábado, 28 de janeiro de 2012

Guerreiros do Ar - Combate

GUERREIROS DO AR - Combate



Os novos aviões de combate são como falcões equipados com computadores. Neles, os ases da caça e os mais avançados recursos eletrônicos agem como partes de um mesmo organismo.

A cena se passa num dia qualquer de 1998. O lugar pode ser um país do hemisfério norte. No frio amanhecer, as silhuetas cobertas de gelo dos caças alinhados na pista aparecem recortadas contra o horizonte. De capacete e com o traje escuro que o fazem parecer um personagem de ficção científica, o piloto é levado por um carrinho elétrico para junto do avião. A uma ordem verbal, identificada por um dos computadores de bordo, a carlinga transparente se abre. Já dentro, conectado ao assento ejetor, o jovem oficial começa a sentir o ar quente do sistema de manutenção vital penetrar no traje de vôo. É o momento de ligar o dispositivo antiG, um tubo que entra na roupa pouco acima do joelho esquerdo e serve para injetar ar comprimido, de forma a contrabalançar os efeitos da gravidade artificial resultante de manobras repentinas.

Com base no desempenho dos melhores caças atualmente em serviço, como o F-16 americano e o Sukhoi Su-27 soviético, já começam a ser testados os protótipos dos aparelhos que tentarão dominar os céus no final do século. Um bom exemplo da geração que vem aí é o Lavi israelense, capaz de voar a 1900 quilômetros horários, carregando sob as asas um par de mísseis ar-terra, além de canhões, bombas e, ainda, nas pontas, dois foguetes-7 toneladas de armamentos ao todo.
Nesse modelo se destacam o canard -pequena asa presa ao lado da carlinga, que dá ao avião maior poder de manobra-e a qualidade dos chamados aviônicos, os componentes eletrônicos do aparelho. O radar do Lavi, localizado no nariz, será dirigido por um microprocessador programável apoiado por uma rede embutida de computadores extremamente avançados, que terá a capacidade de manejar todo o avião. No mesmo estágio de protótipo está outro guerreiro do futuro, o Eurofighter, criação de um consórcio de países europeus na Inglaterra, cuja característica mais marcante é só precisar de 500 metros de pista para levantar vôo. Enquanto isso, a França lançou o Rafale, que se destina a substituir os Mirage a partir de 1996. Segundo seus construtores-por sinal os mesmos da família Mirage-, o Rafale é a última palavra em aviação de combate. Reúne o que há de mais sofisticado em eletrônica, além de novos materiais como o titânio e derivados do carbono. Deverá ser capaz de destruir ao mesmo tempo até oito aviões inimigos, voando a altitudes diferentes e em direções opostas, à distância de até 30 quilômetros. De seu lado, a Suécia comparece com o Saab Grypen JAS 39. Com apenas 8 metros de envergadura, é o menor de sua geração ). À frente do piloto, o painel de controle apresenta a situação geral do aparelho, cujos reatores haviam sido ligados por controle remoto momentos antes da sua chegada. "Bom dia, tenente", soa a voz sintetizada dentro de seu capacete. A voz confirma os dados que aparecem na tela do monitor colorido do painel. Imediatamente, enquanto o computador começa a mover o avião rumo à pista de decolagem, o piloto toma conhecimento de sua missão por meio de um relato verbal do computador, enriquecido com mapas e ilustrações projetados no monitor. O audiovisual nem terminou e o caça já levanta vôo: bastaram-lhe 300 metros de pista.
Se nos anos 60 e 70 a velocidade e a capacidade de levar armamentos é que definiam a cotação de um novo caça no disputadíssimo mercado internacional de aviões de combate, o final do século será testemunha da valorização de um perfil diversificado.
O caça dos sonhos dos pilotos de hoje seria uma contraditória mistura do triplano Fokker do barão Von Richthofen-o temível Barão Vermelho da Primeira Guerra Mundial - com o supersônico S R-71, o avião espião americano Blackbird que ultrapassa Mach 2, o dobro da velocidade do som. Ou seja, unir a leveza e o poder de manobra de um antigo triplano com a força e a velocidade de um superjato. O mais ambicioso programa conhecido para um futuro caça de combate (pelo menos fora da União Soviética) é o do americano ATF, sigla em inglês de Caça Tático Avançado. Para gerá-lo concorrem as sete melhores equipes de projetistas da indústria aeronáutica dos Estados Unidos. A recompensa é um contrato estratosférico 50 bilhões de dólares.
Especula-se que a Força Aérea e americana tenda a escolher.os projetos das empresas Lockheed e s Northrop-talvez não por acaso as mesmas que detêm a tecnologia dos chamados aviões invisíveis ou stealth, desenhados para driblar os sistemas de detecção do inimigo. Pretende-se que o ATF seja capaz de usar pistas mínimas e ainda por cima danificadas de dar combate ao mesmo tempo a vários caças inimigos, dentro ou fora do alcance visual do piloto, e subir a 20 mil metros de altitude em um minuto.Tudo isso com uma eletrônica tão sofisticada que fará do ATF uma espécie "supercomputador de rapina". como dizem americanos. Missão: destruir posição de artilharia inimiga. Localização: 428 quilômetros da base. Defesa a ser enfrentada: mísseis inteligentes terra-ar. Possibilidade de confrontação aérea: positiva.
Em segundos, o avião ganha altitude. Seu perfil lateral estreito. A carlinga tem uma cobertura de policarbonato que se destaca corpo do aparelho. As asas, encurvadas para baixo e arredondadas absorver as ondas de radar, são enflechadas para trás, dando a impressão de que o avião voa ao contrário a mão direita sobre o reduzido manche, o piloto dirige o caça para um sobrevôo rente ao solo para fugir à detecção. Chegando à altitude desejada, aperta uma tecla amarela no console à sua esquerda. A tecla aciona um computador localizado na barriga do avião, que controla automaticamente as manobras necessárias para mantê-lo num trajeto paralelo ao perfil do terreno. Acionando outro botão ao alcance da mão que segura o manche, o piloto ordena ao computador central que ativa sua visão eletrônica, fazendo uma busca de 360 graus num raio de mais de 100 quilômetros. Por enquanto, nenhum outro aparelho à vista. Novo movimento do polegar ativa o controle de ataque por voz humana. "Foco do alvo, acionar", comanda o piloto. "Estado das defesas inimigas?", pergunta. "Passivas", responde imediatamente o computador.
O aperfeiçoamento constante dos sistemas de defesa tem obrigado os aviões de combate a voar o mais baixo possível. Como voar baixo é bem mais complicado do que voar alto, devido ao problema da estabilidade do avião, "o número de decisões a serem tomadas pelo piloto por unidade de tempo aumenta rapidamente", segundo constata o especialista inglês Bill Gunston, da Jane´s All the World´s Aircraft, a mais respeitada publicação aeronáutica do mundo. Tanto que cada ato do piloto é transmitido ao avião por meio de impulsos elétricos (bits digitais) transportados por fibras óticas as informações percorrem o trajeto em frações mínimas de tempo, dentro de um cabo de 25 milímetros de diâmetro. A alavanca ou manche lateral, como um joystick de fliperama, começou a ser introduzido nos modernos caças F-16 americanos e tende a se tornar equipamento padrão. A inovação, adotada pela primeira vez na aviação civil no Airbus A320 francês, facilita o controle do aparelho, pois cada movimento do manche determina eletronicamente uma resposta dos sistemas hidráulicos que movimentam os flaps das asas. Outra característica da nova geração de caças é a drástica redução da quantidade de instrumentos na cabine. O F-18, Hornet, americano, opera com uma cabine quase completamente monitorizada-para ocupar o mínimo da atenção do piloto. Isso se conjuga com a miniaturização dos componentes eletrônicos: quanto menores os aviônicos, maior número deles cabe no avião, o que permite multiplicar os sistemas vitais montados em paralelo. Assim, se um aviônico essencial ao funcionamento do caça é atingido, o computador central passa a trabalhar com outro idêntico, localizado em outra parte da aeronave e tudo segue como antes. "Alvo a 2 quilômetros", diz a voz do computador. Com o dedo, o piloto aperta o gatilho do manche, acionando os mísseis ar-terra inteligentes presos sob as asas. Sua velocidade é tão rápida que o piloto prefere acompanhar a trajetória no monitor. Graças a seus microcomputadores autônomos-daí sua característica inteligente-, os mísseis voam rente ao solo e em 20 segundos atingem o alvo. "Impacto", constata o computador. "Alvo atingido", completa. Dura pouco, porém, a satisfação do piloto. "Caça inimigo detectado", informa a máquina. Imediatamente aparece na tela a posição do adversário, devidamente identificado pela silhueta, marca, autonomia de vôo e capacidade bélica. Sem tirar os olhos do monitor, o piloto ao mesmo tempo reduz a velocidade do avião e o faz cair sobre a asa direita, numa curva fechada. Outro movimento repentino e o caça começa a subir rapidamente. "Armamentos de combate, acionar", ordena o piloto.
Embora seja mais um avião de pesquisa do que um caça operacional, o Grumman X-29 americano fornece o perfil do que será o combatente dos ares no final do século. Com uma tecnologia peculiar, menor tamanho e bom desempenho nas mais diversas condições de vôo, o X-29 tem as asas voltadas para a frente, o que melhora o aproveitamento do fluxo de ar que percorre o corpo do avião em vôo. As asas têm um revestimento de fibra de carbono para suportarem maior atrito com o ar. Além disso, ao lado da cabine há um par de asas móveis (cannards), cujo ângulo é checado e ajustado por um computador quarenta vezes por segundo. A fuselagem esguia do caça termina nos flaps estabilizadores, que proporcionam maior controle quando o avião perde a sustentação no ar (estol). O primeiro a atirar foi o inimigo. Com uma guinada rápida sobre a esquerda, o piloto conseguiu desviar-se do míssil. Com outra guinada, desta vez para a direita, faz uma curva bem fechada, reduzindo bastante a velocidade, para se pôr atrás do oponente e sair em sua perseguição. Como numa briga de gato e rato, toda manobra do perseguido é imediatamente respondida pelo perseguidor. Assumindo o papel de piloto artilheiro dos caças de gerações atrás, o computador informa: "Inimigo no alvo, disparar".Quando a eletrônica passou a ocupar a aviação militar, chegou-se a imaginar que os pilotos de caças estivessem com os dias contados. Máquinas comandariam máquinas, dispensando praticamente o engenho humano. A previsão espatifou-se. "O piloto é mais importante hoje do que na Batalha da Inglaterra", compara o engenheiro aeronáutico Anastácio Katsanos, brasileiro de origem grega, assessor da diretoria de Programas Militares da Embraer, numa referência aos famosos combates aéreos entre ingleses e alemães no começo da Segunda Guerra Mundial. De fato, se então nunca tantos deveram tanto a tão poucos, como disse o primeiro-ministro britânico Winston Churchill em homenagem aos pilotos que salvaram a Inglaterra da invasão alemã, hoje se acredita que no moderno cenário de combate aéreo o papel de um piloto bem treinado é nada menos que definitivo. "Isso foi provado tanto nos combates entre israelenses e sírios no Oriente Médio como na Guerra das Malvinas, entre ingleses e argentinos", observa Katsanos, que acompanha os projetos das Forças Aéreas de todo o mundo. A rigor, piloto e avião são cada vez mais partes complementares de um mesmo organismo. Diz o inglês Bill Gunston: "O piloto tornou-se um administrador que toma decisões de posse das informações instantâneas que Ihe são passadas pelo computador central. Isso só aumenta sua perícia na hora do combate.O piloto aperta o gatilho do manche e dispara uma rajada do canhão de projéteis guiados por laser. Em vão. O inimigo já se havia desviado para cima, dando início a um movimento que acabaria por deixá-lo na traseira do oponente. Com um giro rápido sobre o próprio corpo do avião, o piloto agora no papel de perseguido fica por um instante de cabeça para baixo. A manobra quase o fez tocar o solo, mas o resultado foi perfeito. À medida que subia na vertical, o inimigo se colocou sem querer dentro do campo de ação dos mísseis ar-ar inteligentes. O disparo foi instantâneo. Em fração de segundos, o avião adversário era uma bola de fogo se consumindo como um meteoro. Um estilhaço do caça atingido quase acerta a carlinga do vitorioso. O exercício de combate simulado por computador estava encerrado.

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