segunda-feira, 1 de julho de 2013

O Mundo na palma das mãos - Cartografia

O MUNDO NA PALMA DAS MÃOS-Cartografia


Hoje, quando o planeta é visto de cima pelos satélites, seus contornos não têm mais segredo. Durante séculos, porém, os astros e a Matemática foram os instrumentos que permitiram aos homens desenhar mapas para se localizarem no planeta.


Antes mesmo de começar a escrever, é provável que os homens das primeiras civilizações rabiscassem representações gráficas dos lugares por onde passavam. "Embora não seja possível dizer quando surgiu o primeiro mapa, eles começaram a ser feitos há mais de 4 000 anos por culturas antigas da Mesopotâmia, China, Egito e Grécia", disse a nos D. R. F. Taylor, professor de Geografia e Assuntos Internacionais na Universidade Carleton, no Canadá, e presidente da Associação Cartográfica Internacional. O mapa mais antigo que sobreviveu até hoje é uma placa de argila encontrada nas ruínas da cidade de Gasur, cerca de 300 quilômetros ao norte da Babilônia, desenhado por volta de 2 300 a.C. Medindo 
7 centímetros, tão pequeno que cabe na palma da mão, ele mostra o Rio Eufrates cercado por montanhas.
Por mais de vinte séculos, os homens olharam para o céu para calcular distâncias e representá-las nos mapas Hoje fazem o inverso: vão para o espaço de lá conseguem imagens do planeta com uma precisão inalcançável para quem tem os pés na Terra. Na Antiguidade, como hoje, quem ditava as regras sobre as formas de desenhar mapas - ou cartas, como também são chamados - era a necessidade. Os mapas chineses, por exemplo, serviam não só como orientação, mas também como ferramenta para que os administradores pudessem demarcar fronteiras e fixar impostos, e os militares, usá-los como arma estratégica. Provavelmente mais precoce que a cartografia européia, há indícios de que a chinesa tenha aparecido por volta do 
século IV a. C.
No Egito, a prática também começou cedo. Os egípcios já conheciam a triangulação, uma técnica para determinar distâncias baseada na Matemática, que seria depois usada por muitos outros povos. A triangulação utiliza um principio da trigonometria: se um lado e dois ângulos de um triângulo são conhecidos, é possível calcular o terceiro ângulo e os outros dois lados. Determinava-se, então, uma base para se chegar às distancias desejadas. Os egípcios valiam-se também de um instrumento chamado nível, uma armação em forma de A com um pêndulo amarrado no topo, que servia para medir áreas de terra. A medição era quase vital para os faraós e sacerdotes, já que seus incontáveis gastos eram garantidos basicamente pelos impostos cobrados sobre a terra, pagos em cereais. Demarcando a terra, os faraós tinham certeza de que nenhum grão ficava de fora.
Mas quem achou o mapa do tesouro da cartografia foram os gregos. "Eles foram o primeiro povo a ter uma base científica de observação", conta a cartógrafa Regina Vasconcelos, professora da Universidade de São Paulo e membro da Associação Cartográfica Internacional. A principio, os gregos acreditavam ser a Terra um disco achatado."  Seus primeiros  mapas-múndi, como o de Anaximandro de Mileto (610-546 a. C.), eram representados por um círculo onde um oceano circundava os três continentes conhecidos: Europa, Ásia e África.
Ainda no século VI a. C., a escola de Pitágoras apresentou uma Terra esférica. Essa suposição tinha base em observações práticas, como a sombra projetada por um eclipse, e considerações filosóficas, como o fato de a esfera ser a forma geométrica mais perfeita. Contudo, só por volta de 350 a. C., com as teorias do filósofo grego Aristóteles, a esfericidade da Terra passou a ser aceita pelos homens da ciência.
Coube ao filósofo e astrônomo Eratóstenes (276-194 a. C.) a tarefa de medir a circunferência da terra. Também conhecedor de Matemática, usou a trigonometria em seus cálculos. Ele observou que nos dias 20 e 21 de junho o ângulo que os raios do Sol faziam com a superfície da Terra na cidade de Siena (hoje Aswãn) era de 90°. Nos mesmos dias, esse ângulo era de 7° para a cidade de Alexandria. Por meio de relatos de viajantes, Eratóstenes sabia que a distancia entre as duas cidades era de cerca de 5 000 estádios, ou 206 250 metros. Mais uma vez usando trigonometria, ele foi capaz de calcular a circunferência da Terra. Chegou ao resultado de 28 000 milhas, ou 45 000 quilômetros. Uma precisão razoável. já que o valor real é de 40 076 quilômetros. sorte teve Posidônio
(135-51 a. C), um século mais tarde, quando utilizou a distância entre Rodes e Alexandria e a altura da estrela Canopus para fazer o mesmo cálculo. Ele chegou ao resultado de 
18000 milhas, ou 29 000 quilômetros. Provavelmente, foram esses os cálculos adotados por Cristóvão Colombo, quinze séculos mais tarde, que o fizeram acreditar, pelo tempo de viagem, que havia chegado às Índias.
O sistema de coordenadas geográficas - latitude e longitude - também é um legado dos gregos, graças, mais uma vez, à Matemática, e também às observações de fenômenos celestes. Seu idealizador foi o astrônomo Hiparco (século 11 a. C.). Para conhecer a distância de um ponto qualquer ao Equador - a latitude - , era necessário saber o ângulo formado por este ponto, pelo Sol e pelo Equador, um triângulo em que o Sol é o vértice. Para a medição foi usado o gnômon, uma espécie de agulha fincada perpendicularmente a uma superfície horizontal. O Sol projeta a sombra da agulha no plano horizontal. A reta que vai da extremidade da sombra à extremidade superior da agulha mostra a direção do Sol. O ângulo dessa reta em relação ao plano horizontal indica sua inclinação. O cálculo foi feito sabendo se que o ângulo do Sol em relação à superfície da Terra, no Equador, era de 90° no dia do equinócio. Em qualquer outro ponto do planeta, esse ângulo era menor. Se a medida do ângulo desse 50º por exemplo, a latitude seria 40°. Dois ela é o resultado da diferença entre os dois ângulos (90° menos 50°).Para calcular a longitude, foi necessário estabelecer a hora exata de um fenômeno celeste importante - como um eclipse - , em um determinado local. Essa hora foi comparada com a que o mesmo fenômeno ocorreu em outra parte do globo. Já que a circunferência da esfera, 360°, equivale a 24 horas de duração de um dia, uma diferença de uma hora, por exemplo, levou à conclusão de que entre os dois pontos estudados havia uma diferença de 15°. De todos os trabalhos cartográficos da época clássica, o mais importante? por sua precisão e complexidade, foi o de Claudius Ptolomeu (90168 d. C.), que influenciou toda a cartografia até hoje.
Depois de passar vários anos estudando na biblioteca de Alexandria, a grande guardiã dos conhecimentos científicos da época, ele lançou seu grandioso Guia para a Geografia. A obra, em oito volumes, contém uma lista de 8 000 lugares com as respectivas coordenadas calculadas por ele. Exceto por algumas, que foram determinadas por observação, um grande número dessas localizações foi dado por velhos mapas, com aproximações das direções e distancias dadas por viajantes. O oitavo volume é o mais importante, pois contém instruções para a preparação de mapas-múndi, além de discussões sobre geografia, matemática e outros princípios fundamentais da cartografia.
Menos preocupados com o caráter científico da cartografia, e mais voltados para suas utilidades práticas, estavam os romanos. "O objetivo deles era o uso administrativo dos mapas, para cobrar impostos, e o militar, para aumentar seu império", lembra Regina Vasconcelos, que saca de sua mesa cópias de mapas das mais variadas épocas como forma de exemplificar o que diz. Os romanos não davam muita importância à visão esférica que os gregos tinham do mundo -  para eles, os mapas gregos antigos, que mostravam a Terra em forma de disco, vinham bem a calhar, pois esses já lhes serviam para traçar rotas e delimitar os territórios conquistados. Nesse tipo de carta, chamado Orbis Terrarum - ou mundo inteiro-, os três grandes continentes conhecidos aparecem dispostos mais ou menos simetricamente.
Os romanos realizaram ainda extensos levantamentos do seu Império, usando instrumentos gregos como a dioptra (depois chamado de astrolábio), um instrumento óptico capaz de determinar a localização de pontos na Terra por meio da observação de fenômenos celestes. Os romanos também eram adeptos dos mapas conhecidos como itinerários (que mostram caminhos), e um bom exemplo desse tipo de mapa é a Tábua de Peutinger. Útil representação para os navegantes, a carta mede mais de 6 metros de comprimento por 30 centímetros de largura.
A maré de descobertas, que inundou a cartografia durante a Antiguidade clássica, baixou com o início da Idade Média, pelo menos na Europa. A influência da Igreja Católica por quase dez séculos chegou também à forma de desenhar mapas. Voltou-se a usar o Orbis Terrarum, mas com tal número de modificações que perdeu a exatidão. Os mapas mais característicos dessa época são os chamados T em O, que consistiam num circulo com um T representando rios e m, ares e dividindo o O em três continentes: Europa Ásia e África. São cartas que se prestam facilmente à interpretação do mundo de acordo com o catolicismo, pois só compreendiam as regiões mencionadas na Bíblia.
Durante esse período, os grandes guardiães da cultura cartográfica foram os árabes, que recolheram e desenvolveram o que o Ocidente já havia descoberto e esquecido. No caso dos árabes, a religião, em vez de atrapalhar, ajudou. A obrigação de peregrinar até Meca, a cidade sagrada do islamismo, levava-os a conhecer muitos lugares e a traçar caminhos para a correta orientação dos peregrinos. A conquista de novos territórios como a Mesopotâmia (hoje Iraque), Pérsia (hoje Irã) e Egito, também foi fundamental, pois era necessário conhecê-los para poder governá-los.
Ainda na Idade Média, no século XlII, surgiu na Europa um tipo de mapa próprio para navegação, as Cartas Portulanas, idealizadas provavelmente por almirantes e capitães da frota genovesa. Isso só foi possível graças à bússola, trazida do Extremo Oriente para o Ocidente pelos árabes no século XIl. Esses mapas caracterizam-se pelo minucioso sistema de rosa dos ventos, uma circunferência onde aparecem marcados os pontos cardeais (norte, sul, leste e oeste) e os colaterais (noroeste, nordeste, sudoeste e sudeste). Com essas cartas, os navegantes determinavam a localização de onde estavam e o ângulo em relação ao norte magnético, encontrando assim a direção a ser seguida.
Era o prenúncio das grandes descobertas por vir com o Renascimento, quando a cartografia avançou de vento em popa. Foi o período histérico marcado pela redescoberta dos clássicos pelos europeus, conhecimento que adormecera no Ocidente mas fora mantido vivo pelos árabes. Nessa leva, os estudos de Ptolomeu viram novamente a luz, fornecendo informação e inspiração aos que começavam a se aventurar em mares mais distantes. "Os navegadores já podiam contar com os grandes inventos, como as caravelas, que permitiam viagens mais longas e até navegar no sentido contrário ao do vento", lembra Regina Vasconcelos.
Com todos os ventos a favor, o homem foi se aventurar em alto mar. Os fazedores de mapas mal podiam imaginar o tamanho do trabalho que teriam pela frente. Primeiro, foi a recém-explorada costa ocidental da África. Depois, em 1492, os cartógrafos ganharam um continente novo em folha para mapear: a América. No lugar da certeza, vinha a imaginação - para justificar o investimento nas expedições e encorajar financiamentos nas terras recém-descobertas, as cartas européias se fartavam de atribuir às "terras virgens" fabulosas riquezas minerais. Várias expedições de reconhecimento desceram pela costa, copiando suas formas, tentando calcular a distancia, anotando o tempo que navegavam para norte ou sul, e chegando assim a um contorno do continente. O mapa-múndi de Juan de La Cosa, feito em 1500, é o primeiro a registrar a descoberta da América. A primeira tentativa de localização geográfico do Brasil aconteceu poucos dias após o descobrimento. João Emenelaus, tripulante de uma das caravelas da frota de Pedro Álvares Cabral, desceu à terra firme e, munido de um astrolábio, descobriu a latitude onde se encontra o pais.
Por volta do século XVI, quem tinha o mundo nas mãos eram os holandeses. Suas cidades comerciais eram passagem de mercadores e navegantes de todas as nações, com informações frescas sobre o mundo de fora Em meio a essa agitação viveu Gerardus Mercator (1512-1594), um cartógrafo que trabalhou com materiais recolhidos de todas as fontes possíveis: mapas antigos, crônicas de navegantes e suas próprias viagens. A projeção criada por ele, imortalizando seu nome, foi usada em seu mapa-múndi em 1569. Ela foi de grande utilidade para os navegantes, facilitando a localização do rumo a ser seguido em longas distancias, já que as coordenadas eram mostradas como linhas retas.
No século XVII cresceu, principalmente nos países da Europa, a preocupação com o rigor científico dos levantamentos topográficos - representação do terreno com todos os seus acidentes geográficos. Os mapas passaram a ser mais detalhados, com levantamento em escala - relação de tamanho entre a região e sua representação no mapa Uma escala 1:10 000, por exemplo, indica que cada centímetro do mapa corresponde a 100 metros, na realidade. Mesmo antes que esses grandes levantamentos começassem, já havia na Europa um esforço para fazer levantamentos topográficos. Para isso, certos instrumentos gregos foram resgatados, como o hodômetro, por meio do qual um mostrador registrava a distância, um topógrafo, com a ajuda de uma bússola, fazia um esquema da estrada e das imediações.
O primeiro levantamento topográfico nacional de importância foi realizado na França, em 1744, chefiado por César - François Cassini (1744 - 1784). Mais uma vez, a base foi a triangulação. O general e imperador francês Napoleão Bonaparte (1769 - 1821), como grande líder militar, também não deixou por menos,  e encomendou um mapeamento da Itália, que conquistara, na escala 1:100 000, ficou inacabado com sua queda. Em decorrência desses levantamentos, nos séculos XVIII e XIX, começaram a ser feitos os mapas temáticos, que colocam informações como população e clima sobre uma base topográfica.

Planeta em várias formas

Quando se representa uma esfera como a Terra, em uma superfície plana, sempre há algum tipo de distorção, seja na distancia. na área ou na forma. Durante alguns séculos? a projeção comum em mapas-múndi e atlas foi a de Mercator. Mas. em 1973, o cartógrafo e historiador alemão Arno Peters criou uma nova projeção, que levou o seu nome. A projeção de Mercator foi criada para servir principalmente à navegação; portanto, mantinha o máximo grau de realidade possível nas distancias. Já a área dos continentes ficava deformada, e a Europa, além de aparecer no centro, parecia muito maior do que é na verdade.

A projeção de Peters, que é rigorosa quanto a área dos países mas altera suas formas, provocou grande surpresa por fugir da visão eurocentrista, mas foi muito criticada por profissionais da área. "Tecnicamente, a projeção de Peters é muito pobre. Ela está mais preocupada com afirmações políticas que científicas", D. R. F. Taylor, da Associação Cartográfica Internacional. Arno Peters, hoje diretor do Instituto de História Universal de Bremen, declarou a nos que seu atlas tem também uma grande importância política. "EIe foi utilizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) para sensibilizar os países desenvolvidos em relação à pobreza do mundo. A equivalência geográfica será uma arma de base para a equivalência econômica."


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