sábado, 15 de abril de 2017

Casa de Pensão - Parte 3 de 5 - Aluísio Azevedo


Casa de Pensão - Parte 3 de 5 - Aluísio Azevedo



      - Ah! volveu este. -  Refiro-me ao que avançou anteontem o nosso ilustre companheiro, e indicou Amâncio com um gesto, _que avançou a respeito da vantagem que um novo 
casamento traria, sem dúvida ,à senhora sua filha.



      - Ah! fez Mme. Brizard já não me lembrava disso. O Sr....
      -  Lambertosa, minha senhora, Lambertosa...
      O Sr. Lambertosa é então  de opinião que o casamento convém às enfermidades 
nervosas?...
      O gentleman concentrou a fisionomia, limpou o bigode ao guardanapo, ergueu uma faca, 
e principiou a emitir o seu  judicioso e  meditado  parecer.
      Surgiram logo as contendas.  Lúcia marcou a página do livro de capa roxa e olhou muito 
séria para os outros, pronta a  dar a sua réplica. Mme. Brizard, enquanto os mais  discutiam, 
tamborilava  com os dedos sobre a mesa, afitar um queijo de Minas, com um gesto profundo e 
repassado de filosofismo. O Pereira comia consecutivos  pedaços de pão, sem abrir os olhos, e 
Amâncio procurava uma evasiva para se escafeder.
      Afinal, o Coqueiro, que havia já  formado um grupo à parte com o Dr. Tavares, quis 
fechar a discussão; mas o advogado ergueu-se de súbito, segurou as costas da cadeira, arregalou 
os olhos, e desencadeou a sua eloqüência .
      Em pouco, só ele falava, esquecido, como de costume, do lugar e da situação. 
Imaginava-se já  num tribunal, em pleno exercício de suas funções.
      Pintou floreadamente o lamentável estado de Nini. Qualificou-a de "vítima inocente dos 
impenetráveis caprichos  de Deus"; descreveu a dolorosa expressão  do semblante  da "'infeliz 
moça"; disse que os olhos dela falavam a misteriosa  linguagem do amor, e, quando se dispunha 
a dar afinal a sua esperada opinião  sobre o casamento, a pobre enferma, muito vendida com o 
que vociferava o tagarela a seu respeito, abriu a soluçar estrepitosamente.
      A francesa ergueu-se, de mau humor, para pedir ao Dr. Tavares  que se deixasse 
daquilo, "por  amor de Deus!" Doutro lado  o Coqueiro também lhe suplicava  que se calasse.
      Mas o demônio do  homem já se não podia conter. As palavras  borbotavam-lhe da 
língua, como  o sangue de uma facada. Fez imagens poéticas sobre o casamento , citou nomes  
históricos, e jurou, à fé de suas convicções,, "que aquela desventurada criatura precisava de um 
esposo, mais do que as flores carecem do orvalho, mais do que  as aves carecem do ar; mais do 
que os cérebros carecem de luz!"
      E, erguendo as mãos trêmulas, recuou dos passos e foi dar de encontro  ao copeiro que, 
por detrás dele, embasbacado, o escutava atentamente, com a bandeja  do café nos braços, à 
espera  de uma ocasião para apresentar as xícaras.
      Mme. Brizard assustou-se , o gentleman deu um salto para não sujar as calças; rolou ao 
chão uma garrafa, e César, o menino sublime, vendo que os mais velhos faziam tanta bulha, 
também se pôs a berrar.
      Coqueiro gritava que se acomodassem por piedade.
      - Aquilo não tinha jeito! Parecia haver ali uma súcia de doidos! Oh!
      A mucama acudiu da cozinha, e Amélia, com um lenço amarrado na cabeça, apareceu na 
porta de seu quarto, muito intrigada com o motim. Só o Pereira continuava, inalteravelmente, a 
comer pedaços de pão; é verdade que abriu os olhos duas vezes. Mas tornou logo a fechá-los e, 
segundo todas  as probabilidades, adormeceu.
      Amâncio tratou de aproveitar a confusão para fugir da varanda.
      -  Que  espécie de gente tão esquisita!... dizia  ele em caminho do quarto. - Nada! Aqui 
ainda estou pior do que na casa do Campos!
      Antes de chegar ao gabinete, percebeu que alguém o seguia com dificuldade. A sala de 
visitas estava já totalmente às escuras. Voltou-se, e, sem ter tempo de dizer palavra, sentiu cair 
sobre ele um corpo gordo e mole.
      Era Nini.
      Amâncio, surpreso e contrariado, quis  arredá-la, mas a histérica  passou-lhe os braços 


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em volta do pescoço e desatou a chorar, com o rosto escondido  no seu colo.
      -  Hein?! Disse Amâncio. -  Que história é esta?!
      Mas lembrou-se logo das recomendações de Mme. Brizard:  "qualquer contrariedade 
poderia provocar à infeliz rapariga uma crise perigosa!"
      -  Ora esta!... pensou ele aborrecido.-  Ora esta!...
      e procurou afastar Nini, brandamente. E, como a teimosa não quisesse obedecer e 
continuasse a chorar, ele disse-lhe palavras amigas, pediu-lhe, quase com ternura, que voltasse à 
varanda; lembrou que não era prudente ficarem ali, sozinhos e no escuro. - Podiam ser 
surpreendidos! Esta idéias o aterrava mais pelo ridículo do que pela responsabilidade  daquela 
situação.
      Nini, entretanto, parecia não ouvir coisa alguma e continuava a abraça-lo freneticamente, 
com ímpetos nervosos.
      Amâncio perdeu de todo a paciência e arrancou-se violentamente dos braços dela.
      - Deixe-me! Gritou, e correu para o quarto.
      Nini acompanhou-o  chorando, e conseguiu agarrá-lo de novo, pelo paletó.
      Estava muito nervosa e dispunha agora de uma força extraordinária.
      - Isto não será um inferno?!... exclamou o rapaz,  puxando a roupa das mãos de Nini. E, 
vendo que ela não o largava: - Solte-me, com a breca! Ora essa! Que diabo quer a senhora de 
mim?! Solte-me! Arre!
      A enferma não fez caso e apertou-lhe os pulsos; seus dedos pareciam tenazes. Amâncio 
debatia-se  brutalmente, ouvindo-a bufar, muito agoniada, e sentindo-lhe de vez em quando o 
suor do pescoço e do rosto.
      Na sala de jantar serenara a discussão; só a voz do Tavares ainda se destacava. De 
repente puseram-se  todos a chamar por Nini.
      -  Olhe, disse-lhe Amâncio. -  Lá dentro a estão chamando! Vá! Vá! 
      Ela, nem assim.
      -  Ora pílulas! Resmungou  o estudante, desprendendo-se com um empurrão.  E 
ganhou o quarto,   puxando a porta sobre si.
      Ouviu-se então o baque  surdo do corpo pesado de Nini, que foi por terra; em seguida 
gritos muito agudos.
      Correram todos par a sala de visitas; acenderam-se os candeeiros. Nini  escabujava no 
chão, a gritar, esfrangalhando as roupas e mordendo os punhos.
      Coqueiro e Mme. Brizard  apoderaram-se logo da infeliz. Amâncio apareceu com o seu 
frasquinho de vinagre; o Lambertosa receitou uma dose homeopática e correu ao quarto em 
busca da botica (a homeopatia era uma de suas paixões); Lúcia voltou para a varanda. "Que a 
desculpassem, mas não podia assistir, a sangue-frio, cenas daquela ordem... Não estava mais em 
suas mãos!"
      
      * * *
      
      
      O Pereira já se havia levantado da mesa e ressonava na costumada preguiçosa.
      Lúcia, ao passar por ele, atirou-lhe  um olhar de tédio e disse consigo:
      - Olha que estafermo!...
      ela às vezes tomava-lhe grande nojo, não o podia ver com aquele ar mole, de mulher 
grávida, com aquelas pálpebras descaídas, a comerem-lhe os olhos, com aquele sorriso 
apalermado, aquela voz derramada pelos cantos da boca , que nem um caldo frio e seboso.
      De quando em quando sofria de insônias, e, justamente nessas ocasiões, nas horas 
compridas da noite em claro, é que mais detestava o Pereira. Punha-se  a contemplá-lo 
longamente, com asco, fartando-se  de olhar para aquele "pamonha", aquele "coisa inútil", que 


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ali, ao seu lado, dormia todo encolhido, com as mãos entre as coxas. Vinham-lhe frenesis de 
enchê-lo de pescoções. Já lhe não podia suportar  o cheiro doentio do corpo; não lhe podia 
sentir a umidade  pegajosa do suor e a morna  fedentina do hálito.
      A sua ligação àquele mono era uma história muito triste e muito sensaborona. Poucos, 
bem poucos a sabiam, porque Lúcia  se esforçava quanto lhe era possível por escondê-la, como 
quem esconde uma chaga vergonhosa.
      Ela  "a mísera senhora", vinha, entretanto, de gente honesta e bem conceituada, se bem 
que muito pouco escrupulosa em pontos  de educação. deram-lhe professores de francês, de 
música, de desenho; entregaram-lhe enfiadas de romances banais e livros de maus versos; e, 
todavia, não lhe deram moral, nem trataram de lhe formar o caráter. A desgraçada percorreu 
bailes desde pequena; ouviu o primeiro galanteio aos dez anos de idade; teve a primeira paixão 
aos doze; aos quinze julgava-se desiludida e sonhava com o túmulo; aos vinte, como  é natural, 
sucumbiu ao palavreado de um primo em segundo grau e bacharel  pelo Pedro II.
      O primo, assim que a viu pejada, azulou para o Rio Grande do  Sul, onde tinha a 
família, e nunca mais lhe deu sinal de si.
      Foi então que surgiu em Lúcia  a idéias de utilizar-se do Pereira. Entre as pessoas que 
freqüentavam a casa de seus pais, era ele o único  aproveitável para casamento. Nesse tempo 
vivia o dorminhoco às  sopas  de um tio suspeito de riqueza aferrolhada, e de quem mais tarde, 
diziam, havia de herdar o dinheiro. Lúcia meteu as mãos à  obra, mas, por pouco que não 
desanimou; Pereira não dava de si coisa alguma, parecia não compreender as provocações. Era 
quase impossível tirar algum partido daquele animalejo! Ela, porém, não se quis dar como 
vencida, e lutou.
      Lutou, empregando os meios mais ardilosos, para injetar nos nervos daquele sonâmbulo 
uma faísca magnética de amor. Trabalho inútil! Afinal, vendo que o pedaço de asno  era 
incapaz de qualquer ação ou reação, tomou ela a parte agressiva; e a coisa resolveu-se no mesmo 
instante.
      Depois, como não havia tempo a perder e porque já conhecia bem a pachorra  do seu 
homem, foi pessoalmente ao encontro dele,  meteu-se-lhe  em casa e protestou que faria um 
escândalo  dos diabos, se o "sedutor" não tratasse, quanto antes, de tomar uma resolução muito 
séria a respeito de casamento.
      Pereira  não tratou de tomar coisa alguma desta vida e nem se abalou com a presença  
de Lúcia. Aceitou-a, como aceitaria outra qualquer imposição, porque ele era dos tais que, às 
maçadas da cura, preferem os incômodos da moléstia. Só no fim de quatro dias de lua-de-mel, 
como Lúcia insistisse nas suas idéias matrimoniais, o pachorrento declarou, com  toda a calma, 
que lhe não podia fazer a vontade nesse ponto, em virtude de que, desde os dezoito anos, o 
haviam casado com uma velha, um fúria, que o Pereira não sabia, nem queria saber,  por onde 
andava.
      Lúcia perdeu os sentidos; esteve à morte. Os pais, envergonhados com o procedimento 
indigno da filha, tinham-se ido refugiar na cidade de Campos. Foi o tio do Pereira, o tal das 
riquezas aferrolhadas, que a salvou; era um velho ainda bem forte e muito mais esperto que o 
sobrinho. Deu -lhe casa, comida, roupa e dinheiro.
      Uma irmã dele, senhora de inveterado amor a crianças, solteirona, de quarenta a 
cinqüenta anos e que, com o olho no  testamento, desejava a todo o transe ser agradável ao 
mano, encarregou-se do filho do bacharel.
      Correram quatro anos. Lúcia não viu mais a família, apenas visitava o filho, de quando 
em quando.
      O Pereira continuava às sopas do tio, indiferentemente, como se tudo aquilo não lhe 
dissesse respeito. Acordava, quer dizer. Levantava-se às dez horas, tomava no quarto o seu 
banho morno, depois um copo de leite fervido, almoçava às onze, fazia as digestão estendido 
no sofá da sala; às duas horas dormia, depois passeava pela chácara à espera  do jantar, cujo 


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quilo era de  rigor  ser feito a sono solto em uma rede que ele tinha no quarto.
      À noite, quando conseguia levantar-se, jogava o gamão com o tio. Cochilavam ambos, 
até que se servia o chá , e cada um se retirava para a cama.
      -  A noite fez-se para dormir! Sentenciava um deles.
      -  E o dia para se descansar, resmungava o outro espreguiçando-se.
      E recolhiam-se.
      O velho morreu de repente; uma congestão que lhe sobreveio ao encontrar Lúcia no 
fundo do jardim às voltas com um estudante da vizinhança.
      -  Bom! Dissera Lúcia, alijada  afinal daquela obrigação que já lhe ia pesando demais. E 
fariscou o testamento. Mas o velhaco apenas deixava  algumas dívidas à praça e dois terrenos 
hipotecados ao Banco  Predial. A coisa única que ela aproveitou foi Cora, mulatinha de criação, 
cuja matrícula e cuja escritura de compra estavam em seu nome.
      Era  preciso, pois, deixar a casa; os credores reclamavam tudo que pudesse  dar 
dinheiro. Pereira sacudia os ombros; dir-se-ia que não houvera a menor alteração na sua vida. 
Continuava a dormir tranqüilamente, como se as sopas do tio ainda o fossem procurar às horas 
da refeição.
      Lúcia compreendeu que não devia contar com ele, e tratou em pessoa em cômodo para 
os dois, num hotel de arrabalde,. Sentia-se resoluta e forte; era ela agora o cabeça do casal; tinha  
belos projetos de trabalho: daria lições de piano, de desenho e de francês, até que aparecesse um 
homem para substituir o estafermo do  Pereira.
      O homem, porém, não aparecia, como não apareciam os discípulos.
      Principiou então para eles um viver perfeitamente de boêmios. Sem trates, nem dinheiro, 
nem futuro, nem relações constituídas, andavam aquelas duas almas perdidas e mais a Cora, que 
andava a senhora, a percorrer as casa de pensão: sempre sobressaltados, sempre perseguidos 
pelos credores que iam deixando atrás de si.
      Em cada lugar se demoravam o maior tempo que podiam, dois, três, quando muito 
quatro meses; até que lhe suspendiam o crédito e dos dois  levantavam novamente o vôo, 
deixando a dívida em aberto e o dono da casa lívido, colérico, sem saber  ao menos que direção 
tomavam os  vagabundos.
      Nesse peregrinar, Lúcia teve uma contrariedade mais profunda -  achou-se grávida de 
novo. Cora deu-lhe conselho, trouxe-lhe remédios para fazer abortar; nada, entretanto, produziu 
efeito. O demônio da criança parecia  disputar o seu quinhão de vida com uma persistência 
desesperadora.
      Nasceu afinal, no quarto de um  português na Fábrica de Chitas, entre os cuidados 
mercenários do locandeiro e o obséquio de alguns amigos, que  Lúcia fora conquistando com as 
simpatias de seu talento musical,.
      O diabinho pouco durou, felizmente. Desapareceu  uns trinta dias depois de ter vindo 
ao mundo. Morreu mesmo na rua, quando os pais, dentro de um carro de aluguel, fugiam aflitos 
da Fábrica  de Chitas para uma casa de pensão na Rua do Catete.
      Cora encarregou-se de atirá-lo ao mar. Ninguém viu. Seriam duas horas da madrugada e 
as brisas marinhas pulverizavam no ar um chuvisco miúdo, de fevereiro.
      O menino fora muito franzino e muito mole; saíra ao pai,  o Pereira. Durante  o seu 
pobre mês de vida só abriu os olhos uma vez, ao expirar.
      A casa de pensão era a Sexta  que Lúcia percorria com o suposto marido.  
Apresentavam-se sempre como  casados; ele muito tranqüilo de sua vida, feliz; ela inquieta, 
sôfrega pelo tal sujeito, que com tanto empenho procurava.
      Quando constou a Lúcia que Amâncio era rico e atoleimado, uma nova esperança  
radiou-lhe no coração.
      - É  agora!... disse.
      E preparou-se para o combate.


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      Foi por isso que o estudante recebeu , no dia seguinte ao baile do Melo, aquele 
ramilhete, tão falsamente atribuído a Hortênsia., e porque, uma semana depois, outro ramo, 
bastante parecido com o primeiro, se achava às onze horas da noite no do rapaz, sobre a 
cômoda.
      -  Olé!, disse ele. 
      E, satisfeito com a intriga, principiou a fazer conjeturas.
      -  De quem viriam aquelas flores!...Ah! exclamou, descobrindo um bilhetinho, 
escondido entre duas rosas. 
      E leu:
      "Não saibam nunca espíritos indiferentes, nem mesmo tu, adorado fantasista, quem te 
envia essas pobres flores. Não o procures descobrir; deixa que o meu segredo viceje e cresça na 
tepidez do mistério, 'semelhança das plantas melancólicas que reverdecem nas sombras 
ignoradas dos rochedos. Eu te amo!"
      - Seria de Amélia, seria de Lúcia, ou seria de Hortênsia?   De Nini é que não poderia 
ser, porque a desgraçada, com certeza, não sabia escrever coisas daquela  ordem!
      Não dormiu essa noite; as palavras do ramilhete voejavam-lhe dentro da cabeça, como 
um bando de mariposas. 
      -  De quem seria?...De Amélia não, não era de supor; pois que a bonita menina, longe de 
o provocar, fugia sempre que ele tentava se abrir com ela em questões de amor; de Hortênsia 
também não, não era natural que fosse, porque, em tal caso, Mme. Brizard, ou qualquer outra 
pessoa de casa, teria visto o portador. Além disso, a mulher do Campos não seria capaz daquilo; 
estava caidinha -   é certo! Mas não levaria a leviandade ao ponto de  lhe escrever e enviar 
semelhante declaração. O que , porém, não sofria dúvida é que os ramos tinham a mesma 
procedência.
      E Lúcia?...É verdade! E Lúcia? Com certeza não era de outra! Sim! Tudo estava a dizer 
que o tal bilhetinho saíra de suas mãos!...aquelas frases poéticas, aquele mistério, aquela 
franqueza de confessar o seu amor em duas  palavras...Não tinha que ver! Era da mulher do 
Pereira!
      E um palpite brutal, inadiável, substituiu logo a calma simpatia que lhe inspirara Lúcia.
      Desde que se capacitou de que eram dela os ramilhetes, desejou-a com urgência; queria 
que ela surgisse ali, naquele mesmo instante, na silenciosa escuridão daquele quarto.
      E voltava-se de um para outro lado da cama, sem conseguir pegar no sono.
      Esperar até o dia seguinte o momento de estar com ela afigurava-se-lhe um sacrifício 
enorme, quase invencível. Como podia lá descansar, dormir, com semelhante preocupação a 
remexer-se-lhe por dentro, como um feto doido que lhe mordesse as entranhas?
      Definitivamente não conseguia adormecer. Levantou-se, acendeu um cigarro, abriu a 
janela, e pôs-se a olhar para a lua que estava boa essa noite. Vieram-lhe logo as conjeturas sobre 
o como seria a situação, no caso que Lúcia aparecesse ali, naquele instante "Que 
sucederia?...Que fariam eles?..."
      Duas horas bateram na sala de  jantar.
      -  Diabo! Resmungou Amâncio, sentindo arrepios por todo o corpo. - Desta forma perco 
a noite inteira, e amanhã estou impossibilitado de ir à academia!...
      A idéia do estudo apresentava-se-lhe sempre com um sabor muito amargo de sacrifício. 
Lembrou-se, todavia, de aproveitar a insônia para correr uma vista de olhos pela lição; acendeu 
a vela, corajosamente, assentou-se à mesinha que havia no quarto e abriu um compêndio. Mas 


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não conseguia prestar atenção à leitura; percorreu distraído duas ou três páginas e ficou a olhar a 
chama trêmula da vela, cada vez mais abstrato e mais febril.
      Sentiu vontade de beber.-  Se não estava enganado - a garrafa de conhaque ficara sobre 
o aparador, na varanda.
      Ergueu-se, enfiou o sobretudo e saiu da alcova. 
      O sangue não lhe queria ficar quieto. A continuar daquele modo, o remédio que tinha era 
pôr-se ao fresco e vagar pelas ruas, até encontrar sossego.
      O conhaque não estava no aparador. Amâncio, contrariado, desceu à chácara, e foi 
assentar-se a um banco de pedra. -  Naquele momento comeria alguma coisa, se houvesse, 
pensou ele, resolvido a organizar no dia seguinte um bufete no seu próprio quarto. 
      A lua escondia-se agora entre nuvens; as árvores rumorejavam; tudo parecia concentrado 
e adormecido.
      Debaixo viam-se as janelas dos quatro cômodos do segundo andar, que davam para a 
chácara. Lá estava o n.° 8, o 9 o 10 e o 11. Começou a pensar nos hóspedes daqueles quartos: o 
11 era do tal Correia o médico que só aparecia ali de quando em quando,  "para fazer uns 
trabalhos que os filhos não lhe permitiam em casa da família"; o 10 era do gentleman  -  Bom 
maçante! Amâncio lembrou-se de que lhe prometera acompanhá-lo uma qualquer noite ao 
Passeio Público. -  Havia de ir, disseram-lhe que às vezes se encontravam aí bem boas coisas!...
      O 9 é que ele não se lembrava a quem pertencia...Ah! era do tal Melinho, " a pérola", 
como o qualificava João Coqueiro constantemente.
      E o 8 de Lúcia! da misteriosa Lúcia!
      Ela estava ali!... fazendo o quê?...pensando nele talvez...talvez dormindo...talvez até 
nem dela fossem o bilhetinho amoroso e os dois ramilhetes!...Quem sabia lá!...
      E esta dúvida o apoquentava.
      - Ora adeus! disse. - A ocasião havia de chegar!...
      Veio-lhe, porém uma tentação aguda de subir ao n.° 8
      _Que mal podia vir daí?...O marido com certeza estava dormindo!...Que poderia 
acontecer?...
      Levantou-se resolvido; mas as vidraças do quarto do tal médico, que só aparecia de 
quando em quando, acabavam de se iluminar.
      -  Olá !... considerou Amâncio, detendo-se. Ë o n. °11!
      Por detrás dos vidros  havia cortinas de cassa; nada se podia ver para dentro, apenas 
duas sombras difusas projetavam-se na cambraia, ora aumentando, ora diminuindo. Amâncio 
deixou-se ficar onde estava , mordido já de curiosidade.
      Daí a uns dez minutos, pela escadinha do fundo, desciam cautelosamente, um sujeito 
alto, todo de escuro, e mais uma mulher gorda, de enorme chapéu, cujas abas lhe caíam sobre os 
olhos, ensombrando-lhe o  rosto.
      Vinha um atrás do outro, porque a escada era estreita. Atravessaram a chácara, falando 
em voz baixa, e entraram no corredor. 
      Amâncio acompanhou-os, de longe, e tripetrepe.
      A porta  da rua estava aberta, como de costume; um carro esperava pelos dois lá fora; o 
cocheiro dormia na boléia. O sujeito do n.° 11 deu a mão à mulher das grandes abas, ajudou-a a 
entrar na carruagem e, seguida, entrou também. O cocheiro fechou sobre eles a portinhola, sem 
lhes dar palavra, depois saltou para o se posto e tocou os animais.
      - E que tal?...interrogou Amâncio de si para si, quando os viu partir. 
      Lembrou-se então do que  lhe dissera o velhaco do Coqueiro por ocasião de mostrar-lhe 
a casa: "Quanto a certas visitas...isso tem paciência... lá fora o que quiseres, mas, daquela porta 
para dentro..."
      - Hipócritas! pluralizou o estudante.
      E encaminhou-se para o segundo andar.


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      Subiu pela escadinha do fundo, não a do médico, mas pela outra do lado oposto; porque 
havia duas.
      O primeiro andar continuava em completo silêncio; no segundo apenas se ouvia, de 
espaço a espaço, um tossir seco e agoniado, que vinha naturalmente do n.° 7 onde morava o tal 
moço doente. O pobre-diabo piorava à falta absoluta de meios.
      Amâncio entrou às apalpadelas no corredor que dividia os oito quartos. O luar filtrava-se 
a custo pelas venezianas e pelas vidraças da janela e sarapintava o chão de pequeninos pontos 
brancos. 
      O n. ° 5, onde residia o Paula Mendes com a mulher, era o único que tinha luz; uma forte 
claridade rebentava por cima da porta fechada e ia projetar-se na parede do n.°10 que lhe ficava 
fronteiro. Mas ainda assim o corredor estava bem escuro.
      Amâncio parou defronte do n.° 8 .- Era ali!
      Encostou o ouvido à fechadura; nem sinal de vida -  Lúcia com certeza dormia 
profundamente.
      - Dormia! Pensou o estudante. -  Dormia , sem preocupações nem cuidados; ao passo 
que ele, por não encontrar descanso, errava pelos corredores desertos, como uma alma penada!. 
-  Para que então se lembrara aquela mulher de ir mexer com ele?!... Se a sua intenção era 
dormir, para que o foi provocar? Para que lhe foi bulir com o sangue? Oh! Aquele silêncio do 
n.° 8  o irritava! Aquela indiferença afigurava-se-lhe uma afronta ao  seu amor-próprio, um 
atentado contra o seu orgulho 
      E, quanto mais se convencia da impossibilidade de falar essa noite a Lúcia, mais e mais 
osd seus sentidos se assanhavam! Afinal, já não fazia grande questão de ser com ela própria; 
aceitaria qualquer outra que o arrancasse daquela ansiedade em que se via entalado, como se 
estivesse dentro de uma armadura em brasa.
      - Que inferno! Dizia ele consigo, rangendo os dentes.-  Que inferno!
      E, sem ânimo de ir embora, permanecia encostado à porta do n.° 8, deixando -se comer 
aos bocadinhos pela febre do seu desejo; ao passo que o corpo inteiro arfava com o resfolegar 
aflitivo dos pulmões.
      - Todavia, pensou ele - quantas mulheres não o desejariam Ter junto de si naquele 
momento?...Donzelas até, quantas, naquele instante, não se estorceriam no leito e não 
morderiam os travesseiros, desvairadas pela isolação?
      E saborosas lembranças de amores extintos, que o tempo e a ausência tornavam, mais 
perfeitos e mais desejáveis, acudiam-lhe simultaneamente ao espírito, para lhe aumentar as 
torturas da carne. As suas amantes do passado eram agora ainda mais atraentes e formosas; em 
todas elas não havia um lábio sem sorriso, um olhar sem fogo; era tudo opulento de graças e de 
meiguices, era tudo encantador e completo
      Pôs-se a arranhar devagarinho a porta, dizendo quase em segredo o nome de Lúcia. 
Nada, porém respondia; o mesmo silêncio compacto enchia as trevas do corredor.
      Seu desejo, estimulado e tonto, evocava  então todos os meios de saciar-se; descobria 
hipóteses absurdas, inventava possibilidades que não existiam. Amâncio chegou a pensar em 
Amélia, em Mme. Brizard, na mucama, e até, que horror! Em Nini!.
      - Ai , meu Deus, gemeu nesse instante o doente do n. ° 7.
      O estudante deixou a porta de Lúcia e segui em ponta de pés pelo corredor. Ao passar 
defronte do quarto do Paula Mendes, suspendeu o passo; a luz continuava com a mesma 
intensidade; o curioso não resistiu a uma tentação e espiou pela fechadura.


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      O pobre homem trabalhava, vergado sobre ma mesinha estreita e todas coberta de papéis 
de música. Ao lado, pelas cadeiras e sobre um sofá de couro negro encostado a um biombo 
havia folhas esparsas e cadernetas empilhadas.
      Recebera nessa tarde a encomenda de organizar uma sinfonia, que tinha de ser 
executada daí a quatro dias em uma festa fora da cidade. O Imperador prometeu que iria.
      Mendes estava ainda organizando as partes cavadas. Ouviam-se o ranger da pena no 
papel grosso de Holanda, o tique-taque de um despertador de metal branco, pousado sobre a 
cômoda, e o grosso ressonar da mulher, que dormia por detrás do biombo. O rabequista parecia 
menos triste naquela ocasião do que nas outras em que o vira Amâncio.
      - É porque a mulher está dormindo, calculou este, lembrando-se do mal gênio de 
Catarina. E considerou sobre a existência ordinária que levariam ali, encurraladas no mesmo 
cubículo, aquelas criaturas tão opostas.
      O Mendes, sem desprender a pena do papel, começou a solfejar em voz baixa o que 
escrevia; mas, como lá dentro cessaram os roncos da mulher e esta remexeu na cama, 
resmungando,  ele incontinenti calou a boca e prosseguiu em silêncio no seu trabalho
      - Ainda estás com isto?! Perguntou ela, afinal, depois de uma pausa.
      O marido respondeu afirmativamente.
      - Pois, homem, vê se acabas com essa porcaria! Bem sabes que, enquanto houver luz no 
quarto, não posso pregar olho!
      E, fazendo ranger as tábuas da cama, virou-se de um lado para outro; acrescentando com 
a sua voz de homem:
      - Deixa isso! Anda! E apaga o diabo dessa luz!
      - Não , filha, respondeu o artista brandamente. - É preciso que este serviço fique pronto 
amanhã...
      E, depois de um muxoxo da mulher:
      - Sabes o quanto precisamos deste dinheiro...A diretora do colégio ainda ontem 
protestou que despediria a pequena, se seu não lhe arranjasse alguma coisas por conta do que 
devemos; o  Joãozinho, coitado, há quase dois meses pediu-me que lhe levasse um sobretudo, 
porque lá no trapiche onde ele agora está trabalhando, faz pela manhã um frio de rachar; Mme 
Brizard, você não ignora, tem-nos apoquentado e...
      - Ë isto! interrompeu a mulher. - Ë sempre a mesma cantiga!-  De tudo você se lembra, 
menos do que eu preciso!
      - Ah! se me lembro , filha! Mas é que nem sempre a gente pode fazer o que 
deseja...Descansa, porém, que as coisa hão de endireitar e tu possuirás de novo o teu piano de 
cauda! Tem um pouco de paciência...
      -  Já me tardava essa música! Já me tardava a "paciência"! A paciência inventou-se para 
consolar os tolos! Farte-se você com ela! De conselhos estou cheia, meu amigo! Quero obras e 
não palavras!
      Mendes não respondeu e continuou a trabalhar meneando a cabeça resignadamente. 
Catarina remexeu-se com mais agitação e rangidos da cama e, daí a pouco levantou-se de um 
salto, gritando: 
      - Arre, com os diabos! Que nem se pode dormir!
      -  Olha os vizinhos, filha!...arriscou o marido. - Lembra-te de que são três horas da 
madrugada...
      - Os vizinhos que se fomentem! Berrou ela, embrulhando-se na colcha e fazendo tremer 
o soalho com seus passos de granadeiro. -  Não como em casa deles, não preciso deles para 
nada!
      E, depois de ir beber um copo d'água ao fundo do quarto: 
      - Tinha  graça! Que eu, além de tudo, não pudesse falar à minha vontade! Melhor seria, 
nesse caso, que me amarrassem uma bala aos pés e mandassem, atirar comigo ao mar!


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      - Estás de mau humor, filha! Vê se descansas. 
      - Não é de espantar, levando a vida que eu levo! Sempre numas porcarias de quartos! Se 
se precisa de qualquer coisa, é  um  "ai Jesus" Nunca há dinheiro! O almoço é aquilo que se 
sabe; o jantar pior um pouco! Se fico doente, se tenho uma debilidade, não há quem me traga 
um caldo! não há quem me dê um remédio! Arrenego de tal vidas, diabo!
      - Ö Catarina!...disse o Mendes ressentindo-se -  Pois eu não estou aqui?...Algum dia já 
me afastei de teu lado, ao te  sentires incomodada?
      - E antes se afastasse, creia! Porque já me custa a suportá-lo quando estou de saúde, 
quanto mais doente! Casca! - atirar-me em roto uns miseráveis serviços que qualquer um 
faria!...Pois não os faça!, que até  é favor!  Passo muito melhor  sem eles!
      - Está bom, senhora, está bom! Não precisa se arreliar! Veja se descansa, que eu agora 
tenho  que fazer!
      - Descansada queria você me ver, mas era no Caju, por uma vez, seu malvado! Pensa que 
encontraria o demônio de alguma tola que caísse na asneira em que eu caí de se amarrar a um 
homem de sua laia? Um pingas! Que anda sempre com a sela na barriga!
      E, avançando para o marido de olhos arregalados e um punho no ar: 
      - Mas, podes perder as esperanças, que eu não morro antes de ti, Mané Bocó! Primeiro 
hás de ir tu, entendeste?! -  Ah! Supunhas que eu levaria a roer uma vida de chifre e depois 
rebentava pra aí, enquanto ficavas por cá a te lamberes de contente! - Um sebo! Hei de ir, sim, 
mas depois de te haver feito amargar também um bocado, meu burro velho!
      - Ó mulher! cala essa boca do diabo! Gritou, afinal, o Mendes, arrojando a pena e 
empurrando os papéis que tinha defronte de si. - Arre! Ë muito! Arre!
      O moço do n.° 7 expectorou com mais força e pôs-se a gemer.
      Ora, com um milhão de demônios! Gritou o guarda-livros, morava no n.° 6 -  Não é 
possível sossegar  neste inferno! Quando não é a tosse e o gemido da direita, é a rezinga e a 
briga da esquerda! Apre! Antes morar num hospital de doidos!
      Mendes levantou-se ,segurando a cabeça com uma das mãos, e começou  a passear 
agitado pelo quarto .
      Catarina continuava a serrazinar, atirando com os pés o que topava no meio das casa. O 
marido parou de súbito, sacudiu a cabeça, depois foi-se chegando para a mulher e correu-lhe a 
mão pela espádua nua e lustrosa, timidamente, como se afagasse anca de uma égua bravia
      -  Então, filha?...disse com ternura.-  Vai deitar, vai!...Estamos aqui a incomodar os 
outros... Anda, vai!
      - Os incomodados são os que se mudam! gritou ela.
      - E é o que vou tratar de fazer amanhã mesmo! Berrou o guarda-livros. -  Estou farto! 
Quem trabalha durante o dia, precisa da noite para descansar! Arre!
      - Não faça caso, senhor!...Disse o Mendes, e encaminhou-se para a porta.  
      Amâncio, assim que o sentiu aproximar-se, fugiu pé ante pé, com ligeireza.
      Nesse momento, o Campelo, o tal esquisitão do n.° 4, que até aí não dera sinal de si, 
levantou-se tranqüilamente, tomou o seu clarinete, e começou por acinte, a tirar do instrumento 
as notas mais estranhas e atormentadoras que se podem imaginar. O guarda -livros 
respondeu-lhe batendo com a bengala nas paredes de tabique e berrando, como um doido, o Zé 
Pereira.
      - Ai, meu Deus!, ai, meu Deus!, continuava a gemer arrastadamente o pobre sujeito do 
n.° 7.
      Já pelas escadas, Amâncio ouviu as vozes do gentleman , do Melinho e de Lúcia, que 
acordaram espantados, e em gritos reclamavam contra semelhante abuso.  
No andar de baixo, o Piloto, o Dr. Tavares, o Fontes, e a mulher, abriam as portas dos 
competentes quartos, para indagar que diabo queria aquilo dizer. Só o dorminhoco do Pereira 
não se deu por achado.


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      Amâncio já estava enter os lençóis, quando o Coqueiro percorreu toda a casa, de 
robe-de-chambre e um castiçal na mão.
      
      XI
      
      O guarda-livros, no dia seguinte pela manhã, declarou a Mme. Brizard que se retirava da 
casa  de pensão.
      - Oh! Disse. - Não estava disposto a suportar por mais tempo aquele zungu! Os seus 
vizinhos eram uma gente impossível! -  Não se passava uma noite em que não houvesse 
chinfrinada!...Não! definitivamente não podia ficar! De mais -  O tísico do n.° 7 não lhe dava 
um momento  de descanso  com  o diabo de uma tosse, que parecia aumentar todos os dias! 
Nada! Antes tomar um quarto no inferno!
      Mme. Brizard e o marido procuravam dissuadi-lo de tal resolução. Não lhes convinha 
perder um hóspede tão bom.
      O guarda-livros, com efeito, era muito pontual nos pagamentos e não incomodava 
pessoa alguma, porque só queria o quarto para dormir; verdade é que    não fazia o gasto da 
comida, mas em compensação estava sempre a encomendar ceiatas e jantares que deixavam bem 
bom lucro.
      A Ter por conseguinte, de sair alguém, antes fosse o tal rabequista, o tal Paula Mendes,  
que, sobre possuir uma mulher insuportável, achava-se já atrasado nas suas contas, e os donos 
da casa não viam muito certo o recebimento.
      Catarina, assim que soube de semelhantes considerações, desceu em três pulos ao 
primeiro andar e, atravessando-se defronte do Coqueiro, com as mãos nas ilhargas, gritou-lhe, 
refilando as presas: 
      - Repita você o  que teve  o  atrevimento de dizer  a meu respeito e a respeito de meu 
marido! Repita aí, se for capaz, que lhe mostro já para quanto presto, seu cara de fome!
      João Coqueiro, muito pálido e com o lábio superior a tremer, exclamou que "sua casa não 
era Praia do Peixe"; que ele não estava habituado "àqueles banzés"! Quem quisesse dar 
escândalos que fosse lá para o meio da rua, que se fosse entender com as regateiras! 
      - Regateiras e regateiros são vocês, corja de gatunos! Replicou a outra. 
      Mme. Brizard, que por essa ocasião, ainda no quarto, enfiava as botinas, acudiu logo, um 
pé calçado e outro não, e, com tal fúria avançou contra a mulher do Paula Mendes, que Amélia, 
o Coqueiro e Nini não a puderam conter
      As duas atracaram-se.
      Os hóspedes, que estavam em casa, acudiram todos igualmente. Houve  bordoada, 
gritos, palavrões. Nini teve um ataque de nervos.
      O ilustre Lambertosa teve vários empurrões e caiu contra uma cesta de ovos, que o 
copeiro acabava de pousar no chão, para socorrer as senhoras
      E, no meio de toda esta desordem, destacava-se a voz sibilante do advogado Tavares.
      - Calma, senhores! Calma! Bradava ele. -  Calma por quem sois! Esquecei-vos de que a 
única arma do homem civilizado deve ser a palavra, escrita ou falada, a idéia, enfim?! 
Esquecei-vos de que cada um de vós possui um cérebro, onde reside uma partícula da sabedoria 
divina, e que só com esse cabedal podeis cruzar as vossa opiniões, sem que seja necessário vos 
agatanhardes como animais selvagens ferozes?!...Virgílio, meus senhores, o imortal Virgílio, o 
verdadeiro fundador da eloqüência, diz muito acertadamente na sua Eneida, Livro IV, com 
referência à desditosa Dido -   Pendet que iteram narrantis ab ore !  Se podemos, pois, 
convencer com palavras, para que havemos de recorrer aos murros?!.
      E , loco do costumado . entusiasmo, dava punhadas frenéticas na mesa e perguntava em 
torno com os olhos enviesados  e as cordoveias intumescidas:
      -  E o que dizia Salomão?! E o que dizia Salomão, na sua inquebrantável sabedoria?! 


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Salomão, meus senhores...
      Mas o orador foi interrompido violentamente pelo Coqueiro, que desejava saber se ele 
podia dispensar o seu quarto ao guarda -livros e mudar-se para o n.° 6 do segundo andar.
      Haviam combinado essa mudança enquanto o tagarela discursava.
      - Salomão! Sr. Dr. Coqueiro, Salomão foi um prodígio!
      - Pois bem, já sabemos disso, e agora o que nos convém saber é se V. S.a cede ou não 
cede o seu quarto...
      Mas não foi necessário tal assentimento, porque Amâncio, depois de um sinal de Lúcia, 
declarou que cederia o seu gabinete por qualquer um dos quartos do segundo andar.
      Coqueiro espantou-se. -  Querer trocar o gabinete por um quarto do segundo 
andar!...Ora, seu Amâncio!
      - Faz-me conta, respondeu secamente o provinciano. E, chegando-se para o locandeiro, 
acrescentou-lhe ao ouvido:  - Logo mais te direi a razão por que...
      Ficou  resolvido que o guarda -livros passaria a ocupar o gabinete de Amâncio; este iria 
para o n.° 6, e o Paula Mendes e mais mulher deixariam de comer à mesa de Mme. Brizard, 
continuando, porém no n.° 5, até que liquidassem as suas contas.
      
      * * *
      
      
      Na tarde desse mesmo dia, como fizesse bom tempo, as senhoras combinaram em tomar 
o café na chácara. Mme. Brizard, Amelinha, Lúcia e Nini, mal acabaram de jantar, desceram ao 
terraço. Coqueiro e Amâncio já iriam também para o cavaco. - Tinham primeiro que dar dois 
dedos de conversa.
      Os dois rapazes meteram-se no vão de uma janela da sala de visitas, e Amâncio, com 
acentuações de quem detesta imoralidades, disse ao outro , sem transição:
      - Coqueiro, estou aqui há pouco tempo, mas estimo tua família, como se fosse a minha 
própria, e, por conseguinte, entendo que é do meu dever me abrir contigo, sempre que nesta 
casa descobrir qualquer coisa que possa Ter conseqüências graves...
      - Mas que há? Perguntou o outro a fitá-lo, com muito empenho.
      - Trata-se de Nini, disse o provinciano em voz soturna.
      Coqueiro remexeu-se no canto da janela.
      - Sabes, continuou  aquele,  - que a pobre menina sofre horrivelmente dos nervos, e 
creio até que tem qualquer desarranjo na cabeça...
      - Sim, por quê?
      - Ë uma enferma, que, e não  tivermos muito cuidado com ela, pode vir a dar sérios 
desgostos a ti e tua família...
      Mas, desembucha, o que é que houve?...
      - Ë que ela, naturalmente em conseqüência da moléstia, coitada, às vezes faz certas  
coisas que...para mim ou qualquer outro rapaz de bons princípios não valem nada, mas que, se 
caírem nas mãos de um desalmado...sim! Tu sabes que hás homens para tudo neste  mundo!...
      E, Amâncio, inflamado pelos princípios morais que ele só  cultivava  teoricamente, 
parecia mais que ninguém preocupado com a pureza dos costumes.
      - Mas, afinal, que fez ela? Perguntou o Coqueiro, impacientando-se.
      - Ora, disse o colega , desgostosamente, - tem feito o diabo...Ainda ontem, quando me 
levantei da mesa , segui-me até à sala e...
      - E...
      - Principiou a fazer tolices. A pobrezinha estava como não calculas!...Tive que recorrer à 
violência para contê-la; o resultado foi aquele ataque!...
      E, vendo o ar de espanto que fazia o Coqueiro::


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      - Digo-te isto, porque me parece que tenho obrigação de to dizer se, porém faço mal, 
desculpa!...
      - Mal? Ao contrário! Decerto que ao contrário! Fico-te muito grato!
      E abraçando-o:
      - Acabas de provar que és um homem de bem! A tua ação é de um verdadeiro amigo: 
não imaginas o quanto eu a aprecio.
      - Cumpri com o meu dever...observou o provinciano modestamente. 
      - Obrigado! Muito obrigado! Fico prevenido. De hoje em diante não acontecerá outra!
      - E agora, compreendes por que não me convinha ficar embaixo, no gabinete?...concluiu 
Amâncio.
      - Oh!...Isso , porém, não era motivo para que deixasses o teu gabinetezinho... Eu daria as 
providências necessárias!...
      - Não, filho, nesta questões de família sou muito rigoroso. E agora, o que está feito, está 
feito! Vou para o segundo andar; é até mais fresco!... 
E, depois de algumas ligeiras considerações sobre o mesmo assunto, os  dois rapazes trocaram 
comovidos um enérgico aperto de mão e desceram juntos         à  chácara, onde, debaixo das 
latadas de maracujá, os esperavam as senhoras, palestrando em familiar camaradagem.
      
      
      * * *
      
      
      Dias depois, quando Amâncio já estava transferido para o n.° 6 do segundo andar, 
chegaram-lhe às mãos duas cartas; uma de sua mãe, outra de seu pai.
      Era a primeira vez que o velho Vasconcelos se dirigia ao filho em carta especial. 
      Abriu logo a de Ângela, sofregamente, e a imagem da santa, que as últimas agitações da 
vida do rapaz haviam nublado por instantes, como nuvens que escondem uma estrela guiadora, 
mal começou a leitura, ressurgiu inteira e lúcida à memória dele.
      A boa mãe queixava-se de que o filho, ultimamente,  já lhe não escrevia com a mesma 
assiduidade e com a mesma expansão: "Que significava semelhante mudança? Donde vinha 
aquela reserva? Por que aqueles bilhetes tão apressados, quase telegráficos?..."perguntava ela 
com a sua letra redonda e um pouco trêmula. "Por que  não me escreves mais amiúde e mais 
extensamente?" insistia a carta, "por que, meu querido filho, não me contas toda a tua vida; não 
me dizes como passas, e em que te ocupas? Desejo saber se o Campos continua a ser teu amigo, 
se na casa dele continuas tratado como dantes. Quero que me relates tudo, que te diga respeito, 
meu Amâncio. Se soubesses a falta que tu me fazes, os cuidados que me dá a tua ausência, com  
certeza serias melhor para tua mãe."
      E, sempre a mesma, sempre extremosa, sempre com o filho na idéia, enviava-lhe 
conselhos, recomendava-lhe certas precauçõezinhas; as medidas que devia tomar contra tais e 
tais perigos; o modo pelo qual devia proceder em tais e tais perigos; o modo pelo qual devia 
proceder em tais e tais situações.
      Amâncio releu várias vezes o que lhe dizia Ângela, e respirou largamente, como quem sai 
de um quarto apertado para um grande ar livre. Mas, se a carta materna o impressionou, a outra 
o surpreendeu, porque, de tão afável e condescendente, não parecia derivar daquele terrível 
Vasconcelos, que até em sonhos o aterrava, e sim das mãos amigas de um velho camarada dos 
bons  tempos da infância.
      Estranhou-o logo, desde as primeiras palavras.
      "Meu filho".
      Até então, nunca recebera de seu pai esse carinhoso tratamento. O Vasconcelos nem ao 
menos o tratara por tu; nunca lhe dera a beijar a mão ou a face, nunca lhe abrira, enfim  o 


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coração, quando este se achava ainda brando e maleável, para depor aí as sementes de ternura, 
que desabrochariam mais tarde produzindo os bons sedimentos do homem..
      Como exigir de Amâncio que tivesse agora as virtudes que, em estação propícia, lhe não 
plantaram na alma? Como exigir-lhe dedicação, heroísmo, coragem, energia, entusiasmo e 
honra, se de nenhuma dessas coisas lhe inocularam em tempo o germe necessário?
      Ele, coitado, havia fatalmente de ser mau, covarde, e traiçoeiro. Na ramificação de seu 
caráter a sensualidade era o galho único desenvolvido e enfolhado, porque de todos só esse 
podia crescer e medrar sem auxílios exteriores.
      Vasconcelos, por conseguinte, chegou tarde; encontrou já enrijado e duro o coração do 
filho.
      E, no entanto, toda a sus carta, fazia o que, por inépcia nunca fizera de perto,  - 
dirigia-se amorosamente ao rapaz. Contava-lhe novidades da província, comentava certos fatos 
escandalosos, falava sem reservas de umas tantas coisas, das quais até  aí nunca  se permitira  
tratar na presença de Amâncio.
      O tópico seguinte levou o provinciano ao cúmulo da admiração:
      "Não digo que te faças um santo, mas também não te afogues no torvelinho dos 
prazeres. Goza, meu filho, por isso que és moço, goza, porém, com prudência e com juízo; 
diverte-te, mas evitando sempre tudo aquilo que te possa prejudicar. Lembra-te de que saúde só 
tens uma, e moléstias há muitas. O mundo não se acaba! Adeus. Nunca deixes de me escrever e, 
quando te vires aí em qualquer apuro, fala-me com franqueza."
      Tudo isso vinha tarde. Muita coisa, à semelhança do leite materno, só nos aproveitam até 
certa época. Depois, em vez de fazerem bem, fazem mal.
      As palavras de Vasconcelos que, aplicadas no tempo competente, dariam ótimos 
resultados em benefício do filho, eram agora para este um simples pretexto de galhofa. Amâncio 
sorriu da aparente transformação de seu pai.
      - Ora para que havia de dar o velho!...
      Não obstante, um vago sentimento, ao mesmo tempo amargo e agradável, apoderou-se 
dele. Desfrutava um certo gosto em merecer aquela intimidade paterna; mas, por outro lado, 
doía-lhe a consciência por não Ter sido melhor filho; como se o pobre rapaz de qualquer forma 
contribuíra para semelhante falta. 
      E, então, acudiu-lhe à memória uma circunstância de que jamais se havia lembrado, -  a 
despedida do pai. Vasconcelos estava bastante comovido nesse momento e abraçava-o 
chorando. Amâncio nunca lhe tinha visto o rosto com aquela simpática expressão de sofrimento; 
mas, bem pouco se impressionou na ocasião; os olhos conservavam-se-lhe enxutos e o coração 
quase alegre com a idéia da liberdade que ia principiar
      Só agora, depois da  carta, depois que soube que era amado pelo velho, uma grande 
tristeza invadiu-o todo, e as lágrimas rebentaram-lhe com explosão.
      Assim sucede sempre aos filhos educados  à portuguesa, cujos pais como que sentem 
vexame de lhes patentear o seu amor.
      Pobres pais! Quantas vezes não estarão morrendo por afagar o filho e, todavia, em vez  
de lhe darem um sorriso carinhoso, um beijo, uma palavra de doçura, fingem-se indiferentes e 
afastam-se para que o pequeno não lhes perceba a comoção.
      Néscios! Julgam que com isso estabelecem uma corrente de respeito entre eles e os 
filhos; julgam que isso é indispensável para o bom êxito da educação; quando toda essa 
anomalia só pode servir para lhes roubar a confiança e a estima dos entes predestinados a 
dedicar-lhes todas as primícias de sua ternura.
      Os pais dessa espécie levam a tal exagero a sua convencional rispidez, que, se acham 
graça em alguma coisa feita pelo filho, sufocam o riso, medrosos de que qualquer expansão  
acarrete       uma quebra ao respeito filial.
      Foi tudo isso, ao justo, que se deu com Vasconcelos a respeito de Amâncio. Amou-o, 


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mas com disfarce; fingiu-se diretor inflexível, quando era simplesmente um pai como qualquer 
outro. Muita vez chorou de ternura, mas sempre às escondidas; muita vez sentiu o coração saltar 
para o filho, mas sempre se conteve, receoso de cair no ridículo.
      E não se lembrava, o imprudente, de que o amor de pai é bem contrário ao amor de filho; 
não se lembrava de que aquele nasce e subsiste por si e que este precisa ser criado; que aquele é 
um princípio e que este é uma conseqüência; que um vem de dentro para fora e que o outro  
vem de fora para dentro. Não se lembrava, o infeliz, de que o primeiro existirá fatalmente, por 
uma lei indefectível da natureza; ao passo que o segundo só aparecerá se lhe derem elementos 
da vida.
      Foi desses elementos que Amâncio nunca dispôs para poder amar o pai
      
      * * *
      
      
      O fato é que , depois da leitura da carta, o estudante sentiu, pela  primeira vez, algum 
desejo de dar notícias suas a Vasconcelos; até aí só o fazia por honra da firma.
      Campos, que lhe apareceu em seguida, veio transformar esse desejo em vontade, 
falando-lhe da correspondência extraordinária que, pelo mesmo paquete, recebera do Maranhão. 
O velho Vasconcelos também lhe havia escrito, e, com tanto interesse lhe falara de Amâncio, 
tão  inconsolável se mostrara e tão saudoso pelo filho, e com tal insistência pedira ao 
negociante para olhar pelo  rapaz, que o bom homem não hesitou em correr logo à casa de 
pensão  de Mme. Brizard.
      O estudante carregou com ele para o quarto. - Aí conversariam mais à vontade.
      - Pois, meu nobre amigo, disse o marido de Hortênsia, assentando-se defronte de 
Amâncio , e batendo-lhe uma palmada na coxa, - seu pai não se cansa de falar a seu respeito. 
São as saudades, coitado!
      E tirando uma carta do bolso para entregar ao outro:
      - Leia, leia e veja como está triste o pobre velho! Ah! meu amigo, acredite que - possuir 
um pai é a maior fortuna que se pode ambicionar neste mundo!
      Amâncio, entre outras coisas, leu o seguinte:
      "Não imagina o Sr. Campos os cuidados em que eu e a minha boa Ângela nos temos 
visto por cá com a ausência do rapaz. Nunca pensei que nos fizesse tanta falta. Ela, coitada, leva 
a chorar desde que amanhece, e à noite é aquela certeza dos sonhos ruins a mais não ser! Acho-a 
muito magra e abatida de tempos a esta parte. Então quando não recebe cartas do filho, o que já 
se observa há três vapores consecutivos, fica prostrada de tal modo que se não pode levantar da 
cama.
      "Veja, por conseguinte, se alcança que o nosso estudante nunca nos  deixe de escrever; 
duas palavras que sejam , dizendo como está de saúde e que vai bem nos seus estudos. Isso, que 
a ele não custará muito, poupa todavia cá por casa muitas horas de sofrimento e de desgosto. 
      "Até já me lembrou providenciar no sentido de fazê-lo vir no fim do ano passar as férias 
conosco, não sei, porém, se tal coisa será conveniente ainda tão no princípio da carreira. O 
amigo dispensar-me-á o obséquio de escrever a esse respeito.
      "Em todo o caso, a idéia de que o senhor está aí, perto dele, e que , pelo que tem 
mostrado, é deveras nosso amigo, tranqüiliza-nos em grande parte. Conto, pois , que olhará 
sempre por Amâncio. Tenha paciência, sei que o importuno com estas coisas , mas que hei de 
fazer? Dizem tanto dessa Corte; falam de tal forma do clima e dos mil perigos a que aí esta 
sujeita a mocidade, que, só a lembrança de uma tísica galopante ou de um desses desvios, uma 
dessas loucuras que às vezes acometem aos rapazes e inutiliza-os para o resto da vida; uma 
dessas desgraças, Sr. Campos, que lhes sucedem facilmente, quando eles não dispõem de um 
bom amigo que os encaminhe e aconselhe; só a lembrança de tudo isso, meu caro senhor, é o 


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bastante para me tirar o sossego do espírito.
      "Tenha a bondade, sempre que falar ao meu rapaz, de lembrar-lhe as obrigações e 
dizer-lhe com franqueza a responsabilidade que agora lhe assiste. Ele está se fazendo homem e 
precisa prepara futuro. Sirva-lhe de pai; acompanhe-o e proteja-o com o mesmo desvelo de que 
usou meu irmão para guiar a sua mocidade."
      - Vê, disse o Campos, abalado com as palavras do irmão de seu protetor.-   São estes os 
desejos de seu pai; ao senhor compete agora, como bom filho, fazer-lhe o gosto, e dar-lhe a 
felicidade de que ele precisa para o resto da vida. O que estiver em minhas forças está à sua 
disposição mas o senhor também deve fazer por si, já não é tão criança para não ver o que lhe 
fica bem e o que lhe fica mal! Enfim, tenho toda a confiança no senhor, seu Amâncio, e estou 
convencido de que não me desmentirá!
      Amâncio, que até aí ouvia o Campos em silêncio e com os olhos presos a um ponto, 
agradeceu-lhe muito aquele interesse e jurou que todo o seu empenho era corresponder à 
expectativa de seus pais e ser agradável o mais possível aos verdadeiros amigos de sua família.
      E a conversa, tomando novas direções, ,descaiu em assuntos menos circunspectos. Veio 
então à bulha o baile do Melo, e Campos se queixou de que Amâncio, depois disso, nunca mais 
lhe aparecera em casa.
      - Já tinha a intenção de lá ir domingo.
      - Não, contradisse o negociante.-  Vá antes sábado, amanhã, que é aniversário de meu 
casamento. Não  há festa, mas reúnem-se alguns camaradas e toca-se um bocado de piano. 
Adeus. Não deixe de ir. Olhe, se quiser pode levar seus amigos. Adeusinho.
      Amâncio acompanhou-o até a porta da rua e voltou ao quarto.
      Estava preocupado; não mais com as cartas da família, mas com a deliciosa intenção de 
reatar no dia seguinte o namoro de Hortênsia. Só uma pequena circunstância lhe mareava o 
antegozo desses sonhados momento s de ventura: era a idéia dos seus compromissos como 
estudante; sentia-os agravados perante a confiança que lhe depositavam, e agora, mais que 
nunca, a consciência do seu relaxamento, a lembrança da haver faltado às aulas tantas vezes e 
de não Ter aberto livro durante a última semana, agonizavam-no desabridamente.
      -  Oh! Os estudos! Os estudos eram o ponto negro de sua vida, o seu desgosto, o 
terrível espectro de todos os seus sonhos! As regalias que daí viessem mais tarde, fossem elas 
quais fossem, nunca  poderiam compensar aquela profunda tristeza, aquele aborrecimento 
invencível, que o devoravam.
      Semelhante preocupação tirava-lhe o gosto para tudo, azedava-lhe todos os melhores 
instantes de sua vida. Cada minuto, que se escoava na ociosidade, era mais uma gota de 
remorso caída no sombrio pélago de seu tédio.
      E, contudo, os minutos, os dias e as semanas iam escapando, sem que Amâncio lograsse 
vencer a sua antipatia pelo trabalho.
      Olhava com repugnância para os melancólicos compêndios da faculdade, e, quando 
teimavam muito em os conservar abertos defronte dos olhos, quase sempre adormecia.
      Um verdadeiro tormento!
      
      * * *
      
      Amâncio obteve de João Coqueiro que o acompanhasse à   soirée  do Campos.
      Foi uma noite cheia para ambos; se bem que Hortênsia ,de tão preocupada com os 
arranjos da casa, muito pouco se dera às visitas. 
      Carlotinha, sim, mostrava-se alegre e comunicativa que nem parecia a mesma. Chegou-se 
muito para Amâncio, meteu-se com ele de palestra,, a fazer pilhéria, a criticar das   outras 
senhoras, com visagens disfarçadas e pequeninos risos estalados por detrás do leque.
      O estudante ficou pasmo, quando descobriu que toda essa intimidade procedia do 


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namoro dele com Hortênsia. À primeira indireta da rapariga, o rapaz corou e respondeu 
titubeando. Carlotinha, porém, o tranqüilizou, dando a entender que era discreta e interessada 
nos segredos da irmã.
      E, já sem indícios de gracejo, aconselhou-o a que freqüentasse a casa com mais 
assiduidade; um Domingo sim, outro não, para  jantar. Seria muito bem recebido, alguém fazia 
questão dessas visitas...
      Amâncio, no seu papel de inocente, quis saber quem era esse alguém , mas a rapariga  
negou os esclarecimentos e pediu-lhe em segredo que se calasse, piscando o  olho para o lado 
esquerdo, onde acabava de se assentar um sujeito  gordo, de barba toda raspada. 
      - É o Costa ! Nada lhe escapa!... soprou ao estudante por debaixo do leque. E depois em 
voz alta, disfarçando: 
      -  Pois o baile do Melo esteve muito bom!...
      - _Muito...confirmou Amâncio. - Há longo tempo não me divirto assim!...Mas, para a 
senhora creio que ainda seria melhor, as lá estivesse certa pessoa!...
      - Quem? O guarda-livros?...Ora!...
      E, com ar desdenhoso, declarou que há quinze dias ficara tudo acabado.
      - Seriamente? perguntou o estudante.
      - Sério! E não me sinto com isso, até estimo! No fim de contas aquilo é um tipo 
impossível; tão depressa está para o norte como para o sul!
      - Mas a senhora parecia gostar dele tanto...
      - Pensei que fosse outra coisa...respondeu Carlotinha, franzindo os lábios. - Quando, 
porém descobri o que ali estava, dei tudo por acabado! Foi muito bom; antes assim do que 
depois do casamento!...
      E, para mostrar a sinceridade daquela indiferença, ria com exagero e dava a sua palavra 
de honra em como não tinha paixão por homem nenhum deste mundo. Havia de casar sim, 
porque isso era necessário, mas não que preferisse este ou aquele. Todos eles eram a mesma 
coisas _uns tipos!
      Amâncio defendia o seu sexo, experimentando já pela rapariga uma nascente 
repugnância instintiva.
      Quando, às três horas da madrugada, os dois estudantes se despediram, Campos, entre 
muitos oferecimentos, pediu ao "Sr. Dr. João Coqueiro" que voltasse qualquer dia, mas com a 
família. Ele tinha nisso muito bom gosto.
      Coqueiro prometeu fazer-lhe a vontade e retirou-se com o amigo.
      
      * * *
      
      Quase nada conversaram pelo caminho. Amâncio parecia aflito por se meter na cama; 
uma vez, porém , recolhido ao seu novo quartinho do segundo andar, não sentia as menor 
disposição para dormir.
      A circunstância de saber que Lúcia estava ali tão perto, a quatro ou cinco passos, mas 
inteiramente fora do seu alcance, o indispunha como se fosse uma pirraça levantada com o fim 
único de o afligir.
      Não resistiu ao desejo de ir, como da outra vez, espreitar pela fechadura do quarto em 
que ela morava, e encaminhou-se sorrateiramente para o n.° 8. Nesta tentativa, porém, foi ainda 
mais infeliz do que da primeira, porque a janela do corredor ficara aberta, e Amâncio principiou 
a espirrar , constipado.
      O doente do n.° 7 tossicava, de vez em quando. 
      Amâncio voltou ao quarto, muito aborrecido. Abriu um livro, mas repeliu-o logo, com 
tédio. Lembrou-se de fazer café. (Na véspera comprara uma maquinazinha e  os apetrechos 
necessários para isso.)- O melhor, porém, seria melhor tomar o café depois de um  banho Deu 


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lume à máquina e desceu ao primeiro andar, já despido e rebuçado no lençol.
      Queria passar pelo quarto da mucama, que ele agora sabia ao certo onde era; mas, na 
ocasião em que entrara na sala de jantar, deteve-se cautelosamente com a presença de um vulto 
que acabava de aparecer do lado oposto. A custo reconheceu Coqueiro; do lugar onde se achava 
podia observar sem ser visto. O dono da casa atravessou a pé a varanda e, encaminhando-se 
para o fundo do corredor, sumiu-se no tal sítio, por onde justamente queria passar o outro.
      - Será possível?...considerou Amâncio, que se adiantara precatamente para certificar-se 
do que vira.
      - Que grande velhaco!
      E  era aquele tipo que, "por moralidade não admitia em casa certas visitas!..."
      - Ah!, meu pulha! Pensou o estudante.
      - Como podia agora tomar a sério a casa de Mme. Brizard?...Que juízo devia fazer de 
toda aquela gente? E Amelinha ? o que vinha a ser aquela Amelinha?...
      Dois espirros cortaram-lhe a teia dos raciocínios, e em seguida um calafrio muito 
penetrante lhe percorreu o lombo. Sentiu-se indisposto; não obstante, desceu ao banheiro. - 
Aquilo desapareceria com um pouco d'água pela cabeça.
      Mas, quando voltou ao quarto, já lhe doía o corpo e tinha as pernas entorpecidas 
levemente. 
      Tomou uma chávena de café, bebeu um gole de conhaque, e meteu-se na cama, 
tiritando.
      Não se pôde erguer no dia  seguinte. Coqueiro apresentou-se-lhe no quarto, logo pela 
manhã, muito sobressaltado com os incômodos do querido hóspede. Estava mais inquieto do 
que se tratasse de salvar a vida de um parente insubstituível.
      Perguntou se Amâncio queria médico; se precisava de alguma coisa. - Que diabo! 
Dispusesse com franqueza. Ele estava ali às suas ordens!...
      O doente apenas desejava que o amigo desse um pulo à agência dos vapores e trouxesse 
o constante de um conhecimento , que lhe pediu para procurar nas algibeiras do fraque. 
      Coqueiro obedeceu prontamente.
      Era um pacote de doces que lhe enviava a mãe. Havia frasco de bacuris em calda. 
Muricis, cajus cristalizados e buritis em massa para refresco. Amâncio , logo que o colega voltou 
com o presente, fez acondicionar tudo sobre a mesa, defronte de sua cama. 
      Nesse instante, Mme. Brizard e Amelinha invadiam-lhe o quarto, ávidas de informações.
      - Que tinha o Sr. Vasconcelos? - Que sentia? Como lhe aparecera febre?
      E a francesa, depois de consultar o pulso ao rapaz, afiançou que aquilo não valia nada. 
Ele que tomasse um suadouro, que se deixasse ficar na cama e havia dever que no dia seguinte 
estava pronto.
      Lambertosa, chegando logo em seguida, pediu ao doente que aceitasse uma dose de 
acônito e deixasse o resto por sua conta.
      Mas a febre recrudesceu depois do almoço. Amâncio    queixava-se de dores na cabeça, 
na espinha e nos quadris.
      - Tudo isto é ar! Afirmou o gentleman autoritariamente. - Acônito! Dê-lhe com o 
acônito!
      Foi Amelinha a encarregada de ministrar ao doente, de hora em hora , uma colher do 
remédio.
      Mme. Brizard falou muito da inconstância do clima do Rio de Janeiro, das precauções 
que se deviam tomar contra as umidades; do risco que havia em comer certas frutas e, afinal, 
retirou-se, tendo apalpado ainda uma vez o pulso e a testa do hóspede.
      Amelinha revelava-se extremamente solícita. Andava no bico dos pés, a borboletear pelo 
quarto, arrumando os livros sobre a mesa, apanhando a roupa espalhada pelo chão, acudindo a 
qualquer movimento do estudante, que dormia entanguecido de baixo dos lençóis. Ele, coitado, 


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parecia cada vez pior. Ardiam-lhe os olhos desabridamente; o hálito queimava; não podia 
suportar o cheiro do fumo e queixava-se de muita sede e comichão pelo corpo.
      Amelinha, sempre irrequieta e passarinheira, preparava-lhe copos d'água com açúcar. 
Agachava-se à borda da cama, mexia e remexia com a colher o sacarífero calmante e, depois de 
o provar com a pontinha da língua, passava-o às mãos de Amâncio. Este, porém, mal bebia, 
voltava-se de novo para a parede, gemendo de olhos fechados.                         
      Pelas duas horas da tarde, Lúcia pediu licença para lhe fazer uma visita. Entrou cheia de 
cerimônia, e assentou-se gravemente em uma cadeira, à cabeceira do leito.
      O doente voltou-se logo e agradeceu aquela fineza com um olhar muito triste e injetado 
de sangue. 
      Ela mostrava-se interessada; pedia informações  a respeito da moléstia. Amâncio 
respostava com dificuldade. Parecia moribundo. 
      Mas, quando Amélia saiu e desceu ao primeiro andar, ele tomou rapidamente as mãos da  
outra e cobriu-as de beijos que a febre tornava mais ardentes e mais queimosos.
      - Eu te amo! Eu te amo! dizia ele.
      - Bem, mas fique quieto! Isso lhe pode fazer mal! Retrucava a suposta mulher do 
Pereira. - Nada de tolices! Deite-se! Deite-se!
      Amâncio libertou os braços do cobertor, apoderou-se da cabeça de Lúcia , e começou a 
beijar-lhe  os olhos, a boca e os cabelos, numa sofreguidão irracional.
      As lunetas da "ilustrada senhora" haviam caído, e ela encarava o rapaz , sem dizer 
palavra, a lhe cravar os seus grandes olhos de míope, alterados pelo abuso do vidro de 
graduação.
      Tiveram de disfarçar, porque alguém se aproximava.
      O enfermo voltou logo aos lençóis e pôs-se novamente a gemer.
      Era o Coqueiro quem vinha. Desde a entrada mostrou-se contrariado com a presença de 
Lúcia. Transpareciam-lhe no rosto os sintomas da desconfiança. Dir-se-ia um ciumento a 
penetrar de chofre nas recâmaras da amante.
      - Aquela mulher não podia estar ali com boas intenções!...
      E foi de mau humor que o Coqueiro respondeu a uma pergunta dirigida por ela a 
respeito da moléstia.
      Lúcia, também não deu mais palavra e, logo depois saiu muito enfiada.
      
      * * *
      
      À noite apresentou-se o Campos,  a quem o Coqueiro , de passagem, prevenira dos 
incômodos de Amâncio; trazia consigo um médico.
      Este declarou incontinenti que o rapaz tinha bexigas; mas antes que fizessem 
espalhafato, afiançou que eram benignas. "Bexigas doídas, cataporas, como vulgarmente 
chamavam por aí. Ficassem tranqüilos , que o caso não era grave; convinha , porém, ter algum 
cuidado com o doente: - evitar a ação do vento e muita limpeza com a roupa da cama."
      Receitou e saiu, prometendo voltar no dia seguinte. Campos seguiu-o até à escada do  e 
tornou ao segundo andar.
      A mulher do Paula Mendes, que abrira a porta do quarto para escutar o que dizia o 
médico, rompeu logo a falar dobre o abuso de consentirem ali "um bexigoso!"
      Daquela forma, em breve a casa se transformava num hospital! Já lá tinham um tísico, 
que à noite não a deixava dormir com o gogo; agora era um bexiguento; amanhã seria a febre 
amarela e depois a    lepra! - Arre! Em chegando o marido havia de mostrar o que faria!
      Lambertosa, a pretexto de que sentia muito calor, empacotou o que tinha no quarto e lá 
se foi moscando à francesa.
      - Nada! segredou ele embaixo  ao Fontes, que jogava o dominó com a mulher na sala de 


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jantar. - Tenho medo disto que me pélo; em pequeno vi morrer três sujeitos de pancada com as 
tais cataporas! Vou para a chácara de um amigo nas Laranjeiras! E, se a madame não tratar de 
pôr fora o doente, eu também aqui não porei mais os pés!
      E, vendo que  o Fontes parecia impressionado com as suas palavras: 
      - Pois não acha o amigo que não tenho razão?...Pode-se lá admitir um varioloso dentro 
de uma casa como esta, cheia de hóspedes?...
      - 'Stá claro! Disse a mulher do Fontes, empurrando as pedras do dominó. - Eu também 
aqui não fico! Ou o doente se mudas ou então mudo-me eu! E logo o quê! -  bexigas! Deus nos 
defenda! Até parece que já sinto um formigueiro por todo o corpo...Credo!
      - Sim, disse o marido, -  mas não acredito que Mme. Brizard esteja disposta a ficar com 
ele dentro de casa!
      O gentleman havia desaparecido, como  se levasse uma fera atrás de si; os  dois outros 
ergueram-se conversavam assustados sobre    o grande fato; enquanto Nini, que, desde às 
cinco horas jazia estendida em uma cadeira ao canto da varanda, com um lenço amarrado na 
cabeça, escutava-os silenciosamente, os olhos pendurados no vago
      Depois daquela cena violenta com Amâncio, a pobre criatura se quedara mais apreensiva 
e mais triste. Eram suspiros sobre suspiros e nem uma palavra durante o dia inteiro; às vezes 
dava-lhe para chorar e não havia meio de a conter.
      Em cima o Campos tomou o chapéu e o guarda-chuva, mas, antes de sair, consultou a 
opinião do Coqueiro e de Mme. Brizard sobre o que melhor convinha fazer a respeito do 
varioloso. "Talvez fosse mais acertado levá-lo para uma boa casa de saúde!... - Eles que  se não 
constrangessem: se era inconveniente ficar ali o rapaz, falassem com franqueza, porque tudo se 
podia arranjar perfeitamente.
      Mas os locandeiros protestaram logo, com energia: - Longe de ficarem constrangidos, 
tinham muito gosto em ser úteis ao  Dr. Amâncio.-  Que o já estimavam tanto, que não teriam 
ânimo de o desamparar, justamente quando o pobre moço, longe da família, mais precisava de 
cuidados!
      -    Verdade é que as bexigas não são das más...considerou o negociante, alisando o 
pêlo de seu chapéu alto. - Mas os outros hóspedes talvez não pensem como a senhora e seu 
marido...E daí, quem sabe?...queiram deixar a casa e...
      Mme. Brizard declarou que por esse lado estava sossegada. "Os bons hóspedes não 
desertariam por tão pouco, e quanto aos maus, se  fossem não fariam falta."
      Campos  agradeceu pelo recomendado aquela boa vontade; tornou a dizer que não 
poupassem despesas com a moléstia e, quando porventura houvesse alguma dívida ou alguma 
dificuldade, era mandar imediatamente um recadinho à Rua Direita, que ele lá estava sempre às 
ordens.
      E ainda voltou ao quarto do rapaz para lhe rogar mis uma vez que não tivesse receio de 
importuná-lo em qualquer ocasião e, outrossim, para saber se, por enquanto, ele não precisava de 
mais alguma coisa. 
      Amâncio desejava unicamente que o amigo procurasse por onde andava o Sabino, que 
agora lhe fazia falta; e, caso o encontrasse, tivesse a bondade de remeter-lho; pois seria um 
grande favor.
      Veio  à questão o quanto madraceavam os escravos ultimamente. Mme. Brizard jurou 
que não havia melhor vida do que a deles; disse que Amâncio fizera mal; em consentir que um 
negro de sua propriedade andasse por aí tanto tempo, sem lhe prestar contas; quando, alugado, 
lhe podia dar de rendimento pelo menos quarenta mil-réis mensais. E, de sua parte recomendou 
de Campos que fizesse diligências para descobrir o tratante e o deixasse ali, que ela mostraria se 
punha ou não a bom caminho.
      O negociante retirou-se afinal, entre novos protestos e novos oferecimentos.
      Mme. Brizard, o Coqueiro e Amelinha  não abandonaram o quarto do doente até mais 


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de meia-noite; ora um, ora outro, acompanhavam-no sempre. Lúcia também  aparecia de 
quando em quando; ao passo que o marido, sem jamais acordar completamente, nem dera pelo 
reboliço em que ia a casa.
      Por toda a parte sentia-se já o cheiro de alfazema queimada. O esquisitão  do n.° 4, 
muito comprido no seu poncho de brim pardo, que lhe batia desairosamente nas tíbias mal 
compostas, espaceava no corredor, cantarolando , em voz soturna o De Profundis .
      Olha que agouro! Resmungou a mulher do Paula Mendes ao vê-lo passar e, já 
encolerizada pela demora do marido, fechou a porta do quarto com um pontapé. - Logo aquela 
noite é que o diabo do homem entendia de se demorara mais tempo na rua! Raios o partissem, 
diabo!
      O Melinho, a pérola do n.° 9 , também aparecera; e o Piloto, a saber ,ainda na porta da 
rua, que havia um bexigoso no segundo andar, fez uma careta, benzeu-se  comicamente, 
desgalgou pelo mesmo caminho que trazia, afetando trejeitos exagerado de  medo. O 
guarda-livros é que bem pouco se incomodou com a notícia, tinha lá o seu gabinete ao lado da 
sala de visitas, e aí com certeza não chegariam os miasmas.
      Estava em cima o Coqueiro a discutir com a família sobre quem devia acompanhar o 
enfermo durante o resto das noite, quando entro o Paula Mendes, estranhamente alegre, a cantar 
em voz alta. O dono da casa correu logo ao seu encontro e lhe pediu que não fizesse bulha. - O 
hóspede do n.° 6 estava de cama!
      Mendes respondeu com descostumada grosseria, arrastando a voz. Catarina ao vê-lo 
naquele estado, fechou bruscamente a porta do quarto, que nesse mesmo instante havia aberto, e 
gritou-lhe de dentro  "Que fosse cozinhar para longe a bebedeira! Que voltasse para onde se 
tinha emborrachado! Era só também o que faltava! - que, além de tudo, tivesse de aturar 
bêbados! Estavam bem servidos!"
      E, todos, com grande espanto , se convenceram de que efetivamente o Paula Mendes 
vinha ébrio, logo que o viram principiar a bater, como um possesso, na porta do quarto, berrando 
pela mulher, sem se poder agüentar nas pernas.
      - Pois senhores, disse Mme. Brizard, que  acudira com o barulho, -  estou pasma! Desde 
que o rabequista mora aqui é a primeira vez que o vejo assim!...
      - Naturalmente isto foi coisa que lhe fizeram... opinou Coqueiro. - Ele, coitado, é até 
homem de bons costumes!...
      Todos concordaram nesse ponto, e o hoteleiro, uma vez capacitado de que a peste da 
Catarina não abria a porta ao marido, carregou com este para o quarto que o Lambertosa 
acabava de despejar.
      - Diabo! Resmungou, deixando-o cair sobre a cama. - Hóspedes que só dão de lucro 
estas maçadas!
      Resolveu-se que seria o copeiro quem acompanharia o enfermo durante o resto da noite. 
O médico recomendara que dessem o remédio de três em três horas. Lúcia lamentou que, 
justamente nessa ocasião, a sua Cora estivesse em Cascadura ajudando a uma amiga a morrer, 
porque ao contrário Amâncio não teria outra enfermeira. "Ah! não havia como  aquela mulata 
para tratar de um doente!..."
      Mas o copeiro assumiu o posto que lhe designaram, e cada um se recolheu ao 
competente dormitório. Catarina ainda rabujou sozinha por algum tempo; o Paula Mendes caiu 
num sono de chumbo, e a casa foi a pouco  e pouco se atufando nas brumas silenciosas da 
noite.
      Só então , de tão fracos que eram , ouviam-se os bufidos cavernosos do tísico que, no 
triste abandono  de sua miséria, continuava a gemer, sufocado pela dispnéia.
      O desgraçado já não tinha forças par sair à rua. A sua moléstia entrara no segundo 
período; cresciam-lhe as dores do peito e apareciam-lhe agora, pela madrugada, acessos febris, 
acompanhados de suores frios e gordurosos.


[Linha 4300 de 8244 - Parte 3 de 5]


      A magreza desnudara-lhe os ossos, e o alimentos faziam-lhe repugnância. Como era 
muito pobre, ninguém se interessava por ele; os criados serviam-no mal e a más horas. 
Traziam-lhe a comida e depunham-na sobre o velador." bodega lá que se arranjasse!"
      Mme. Brizard, por mais de uma vez dissera: 
      - Também aquele  estafermo não ata nem desata!...
      
      
      * * *
      
      
      Por volta das quatro da  madrugada, Amâncio sentiu passarem-lhe brandamente a mão 
pela testa, e despertou estremunhado.
      Um candeeiro de azeite derramava no quarto a sua meia  claridade trêmula e duvidosa. 
Era tudo silêncio e quietação.
      -  Lúcia! disse ele, reconhecendo-a e tentando passar-lhe o braço na cintura.
      -  Psiu! Fez a ilustrada senhora com um dedo nos lábios.-  Tenha modo! O copeiro está 
dormindo e, como o médico recomendou que não deixassem de lhe dar de hora em hora uma 
colherada do remédio, eu ...
      -  Meu amor!
      -  Nada de bulha! Tome o remédio e trate de dormir, que você está doente.
      Amâncio bebeu a tisana e com um gemido arrastado pousou de novo a cabeça nos 
travesseiros.
      -  Como se acha ensopada esta camisa! Observou Lúcia, apalpando-lhe as costas 
solicitamente. E perguntou logo onde estava a roupa branca.
      O rapaz apontou com dificuldade para a gaveta inferior da cômoda, e acrescentou 
careteando:
      -  No fundo, ao  esquerdo.
      Ela foi abrir o gavetão, muito de mansinho, para não acordar o copeiro que dormia a 
sono solto sobre um enxergão no soalho, e reveio, toda desvelos, com uma camisa aberta nos 
braços.
      -  Vamos ! mude essa roupa. O remédio está produzindo efeito. É preciso não resfriar.
      O estudante despiu a camisa suada e vestiu a outra.
      -  Agora, sente-se melhor? Perguntou a mulher do Pereira.
      Estava assim, assim... Ainda lhe doía o corpo, e a comichão não tinha diminuído. Parecia 
que lhe passeavam formigas pelas pernas.
      -  Trate de repousar. Adeus. Eu voltarei  de manhã,  para lhe dar outra dose  do 
remédio.  Até logo.
      Amâncio pediu-lhe que se demorasse mais um pouco, que se assentasse um instante ao 
seu lado;  ela, porém, muito senhora de si, negou-se  formalmente, dizendo com a cabeça que 
não e recomendando-lhe com um gesto que se acomodasse.
      -  Ao menos um beijinho... pediu ele.
      A outra não respondeu e saiu na ponta dos pés.
      Voltou pela manhã, como prometera, mas o copeiro já  havia dado o remédio ao doente. 
      -  Então! Como passou?  Perguntou ela, indo apertar-lhe a mão.
      -  Ora, mais incomodado com a sua ausência do que com a minha moléstia... respondeu 
o moço, fazendo um ar infeliz.
      - Impressões de momento... retorquiu Lúcia, sorrindo. - Daqui a pouco não se lembrará 
mais de mim...
      E logo, que viu sair o preto:
      -  Para só pensar na Amelinha...


[Linha 4350 de 8244 - Parte 3 de 5]


      Amâncio  fez um gesto de repugnância.
      - Tem toda a razão!... prosseguiu ela -  toda! Amelinha é moça, é bonita, e pode casar!
      -  Comigo, nunca!... afirmou o rapaz.
      -  Não poria a mão no fogo... insistiu Lúcia. -  Agora eu, sim, já sou papel queimado, e 
estou velha...
      -  Velha? Dê-me então a sua bênção...
      Lúcia sorriu e estendeu-lhe a mão, que ele beijou avidamente, ficando depois a 
examiná-la, como se contemplasse uma obra de arte.
      -  É feia... disse a senhora -  é comprida demais e magra.
      -  É adorável! Desmentiu o estudante. E tornou a beijar, com exagerado transporte, a 
mãozinha que conservava entre as suas.
      -  Está bom. Chega!  Para bênção já basta! E ela puxou o braço. -  Deve estar a surgir o 
batalhão de seus enfermeiros! Adeus.
      -  Eu os trocaria a todos por ti, minha santa!
      - Isso é o que havemos de ver! Replicou ela intencionalmente. E saiu do quarto.
      O Coqueiro, que chegou logo depois, percebeu  que Lúcia acabava de estar ali, mas não 
deixou transparecer  a sua contrariedade.
      -  Então?! perguntou.
      O doente fez uma careta de desânimo.
      - Tiveste alguma novidade durante a noite?
      - Nenhuma, respondeu Amâncio.
      -  O remédio, tomaste-o?
      -  Tomei.
      Coqueiro deu uma volta pelo quarto,  para demorar um pouco mais a visita, e disse 
frouxamente:
      -  Bem, tenho que ir pras aulas. Até já! -  Loló e Amelinha não tardam por aí.
      E retirou-se, a gritar desde cima pela mucama: -  Que viesse arrumar o quarto do Sr. Dr.  
Amâncio!
      Mme. Brizard e Amelinha , com efeito, não tardaram a aparecer, falando muito sobre o 
terror que a moléstia de Amâncio produzia nos outros hóspedes, confessando as maçadas que 
tiveram as duas na véspera; e, por fim, a mais velha desceu para cuidar da casa e a menina ficou 
para tratar do enfermo.
      
      * * *
      
      
      João  Coqueiro,  à volta da academia, chamou  a mulher ao quarto e perguntou-lhe, 
cruzando  os braços e sacudindo a cabeça:
      - E o que me dizes tu da Sr.ª D. Lúcia?...
      Mme. Brizard respondeu com um movimento de ombros. 
      -  Bem desconfiava eu!...Ajuntou o especulador, depois de uma  pausa. Acredita, Loló, 
que desde a chegada do Amâncio, tive cá um palpite de que aquela mulher seria um estorvo 
para os nossos projetos!
      A francesa fez um esgar de dúvida. E o esposo acrescentou com raiva:
      -  Pois se ela não o larga um só instante! Leva a escorá-lo, o demônio!
      - Não credites que Amelinha se deixe codilhar assim só !...observou a esperta locandeira.
      - Ora qual! Volveu o outro zangado. - Ninguém me tira da cabeça que esta mudança do 
rapaz para o segundo andar, foi coisa arranjada por aquela sirigaita!
      E, tendo percorrido três vezes o quarto, parou de repente, muito agitado:
      - Mas comigo, bradou -  Está enganada! Tenho a faca e o queijo na mão! Posso 


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despachá-los, quando bem entender, a ela mais o bolas do tal marido! E nem preciso inventar 
pretextos para os pôr na rua, porque eles já devem aí perto de dois meses!
      - Pois nós havemos de perder esse dinheiro?! Interrogou Mme. Brizard assustando-se. 
      - Sim, mas é que eu não os deixo ir, sem ficar garantido! E se quiserem fazer de espertos, 
confisco-lhes a mulatinha! Não! Aqui para o meu lado  é que não se arranjam!
      E, recaindo nos projetos a respeito de Amâncio:
      - Uma ocasião tão boa para a Amelinha o cativar, se o diabo da intrusa não se metesse 
entre eles no melhor da coisa! Ah! peste!  
      Mme. Brizard, que se havia assentado, meditava de cabeça baixa.
      -  Eu até o acho agora mais reservado e mais frio! ... prosseguiu o hoteleiro-estudante. -  
Já não me consulta quando quer dar algum passo ... já não se abre comigo!
      E aproximando-se da mulher, exemplificou em voz de mistério:
      -   Sabes, aquele doce  que ele recebeu do Maranhão? Foi quase todo para ela! A mim 
deu unicamente um frasco do tal bacuri (por  sinal que não lhe acho graça);  para si, creio que 
guardou uma latinha de geleia, e tudo mais lambeu a  gata arrepiada!
      -  Que! Pois ele lhe fez presente de todo o doce que recebeu do Norte?...
      -  Ora! Se te estou a dizer!
      -  Não! exclamou a Brizard escandalizada.-  Isso agora não lhe  perdôo! A gente aqui a 
se matar, a desfazer-se em carinhos, e ele a socar no bandulho daquela bicha os mimos que 
recebe da família! Não! Isto não se faz!
      -  Pois fez! Sustentou Coqueiro. -  E, se não abrirmos os olhos, ela é capaz de 
arrancar-lhe  até a última camisa!
      -  Dar todo o doce àquela  criatura!... repisava a francesa. -  É quanto pose ser!...
      -  Pois deu!
      -  Sempre o supunha outra  espécie de gente!...
      -  Não é pelo doce, explanou o marido -  mas sim pelo alcance do fato! Nós, o que 
devemos fazer e, quanto antes, tomar medida muito seria a respeito de tudo isto!
      E, fitando a mulher com resolução:
      -  Vamos a saber! Achas que os devemos pôr no olho da rua ?!
      -  Mas, filho, sem pagarem?! ...
      -  Ainda que não paguem, ora essa! Dos males o menor! Lembra-te de que o Amâncio 
não inventou a   pólvora e pode, muito bem, ser visgado por aquela lambisgóia!... A cabra não 
tem nada de tola!... Que achas tu?!
      -  Sim, mas também par deixá-los ir com o nosso cobre...
      -  Fica-se com um documento selado e podemos perseguí-los a todo o tempo!
      -  Isso é asneiras!
      -  Asneiras é perdermos o futuro de Amelinha por causa de alguns mil-réis
      Mme. Brizard ainda hesitou.
      -  Então? insistiu Coqueiro. -  A termos de tomar esta resolução, deve ser já e já, que a  
oportunidade é magnífica; talvez até nunca mais pilhemos um ensejo tão favorável! - Minha 
filha, nem sempre há cataporas!...
            A outra, afinal, consentiu, e ficou deliberado que o Pereira e Lúcia  seriam postos 
na rua, se não saldassem imediatamente as suas contas.
      -  Estão ali, estão fora!... profetizou o locandeiro, esfregando as mãos.
      
      * * *
      Algumas horas depois, quando o Pereira descrevia tropegamente a sua órbita 
consuetudinária entre a mesa do jantar e a  preguiçosa, Coqueiro, entrepondo-se-lhe no 
caminho, meteu-lhe na mão uma folha de papel dobrada sobre o comprido, e disse-lhe em tom 
seguro e repassado de urgências:


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      -  É uma nova continha de suas despesas. O amigo desculpe, mas, se me pudesse pagar 
isto até amanhã, não seria nada mau, porque tenho de satisfazer os fornecedores.
      -  Havemos de ver... balbuciou o hóspede, correndo pelo papel  os olhos  meio  
fechados.
      O credor advertiu-o em voz baixa de que havia já esperado muito  e que o Se. Pereira, 
pelos modos, não se lembrara dele.
      -  Tem toda a razão... concordou o dorminhoco. -  Juro-lhe, porém, que me não esqueci 
do senhor. Ainda não recebi dinheiro, sabe?
      Sim , retorquiu o outro -  mas o senhor também sabe que eu preciso fazer face aos gastos 
da casa e ...
      - Tenha paciência ... bocejou o Pereira. -  Tenha um pouco de paciência. Hei de cuidar 
disso.
      -  Mas é que não posso esperar mais, Sr. Pereira!
      -  Não há novidade ! Pode ficar descansado, que não há novidade, respondeu aquele 
espreguiçando-se,  já importunado com o transtorno de não se poder estirar na cadeira. E 
entregou a conta a Lúcia, que se aproximava em ar de curiosidade. Feiro isto, deixou-se cair na 
preguiçosa, inalteravelmente, com nos outros dias. Daí a pouco ressonava. 
      A mulher leu a conta de princípio a fim,  sem um gesto, nem uma palavra; depois, ainda 
em silêncio, dobrou-a de novo e meteu-a no seio.
      No dia seguinte pela manhã o copeiro, apresentava-se-lhe no quarto, exigindo, em nome 
do patrão, a resposta do pedido que este na véspera fizera ao Sr. Pereira.
      Lúcia, molestada com semelhante pressa, respondeu de mau humor que -  mais tarde 
daria uma resposta... O marido ia sair para buscar dinheiro!
      O criado retirou-se, e ela foi logo, muito zangada, despertar o Pereira com um violento 
empuxão.
      -  Você é uma lesma! Exclamou. -  Põe-se a dormir desse modo, e cá fico eu para me 
haver com as contas!
      -  Que contas?... perguntou o homem, esfregando os olhos pachorrentamente e 
escancarando a boca.
      -  Que contas! Você sempre é um traste muito inútil!
      -  Deixa disso, nhanhã...
      -  Que contas! A conta da casa! A conta do que você e eu comemos!
      -  Havemos de ver isso...
      -  Havemos de ver, não! que é preciso resolver qualquer coisa! O homem quer dinheiro; 
não me larga a porta!
      E, puxando-o por um braço: -  Ande! Mexa-se!
      Pereira não fez caso e tornou aninhar-se na cama, encolhendo as pernas e os braços.
      -  Você não ouve?! Berrou a mulher, desfechando-lhe um murro nas costas. -  Ë preciso 
que lhe dê com os pés para o acordar, seu burro?!
      - Não me amole! Tartamudeou ele, sem voltar o rosto. Lúcia, que já se não podia conter, 
saltou-lhe ao gasganete e encheu-lhe a cara de bofetões.
      - Pereira ergueu-se num pulo, e, muito estremunhado, olhou sério para a mulher:
      - Ora , vamos lá!... disse, e começou a espreguiçar-se, retesando os braços.
      -  Diabo do sem-préstimo! Resmungou a outra com desprezo, enviesando a boca e 
cuspindo o olhar por cima do ombro. -  Não têm um vislumbre de brio naquela cara !
      -  Já trouxeram o café?... perguntou o sem-préstimo, cuidando de lavar o rosto e os 
dentes.
      Lúcia respondeu-lhe com uma injúria e saiu do quarto arremessando  a porta; mas reveio 
logo e gritou em tom de ordem:
      -  Vista-se já e ponha-se em caminho, que é preciso arranjar dinheiro!


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      Pereira vestiu-se demoradamente, sempre abrir a boca, depois seguiu para o primeiro 
andar no seu passo miúdo, os braços a jogarem-lhe num movimento pendular, como se os 
tivesse seguros à omoplata apenas por um atilho. Tomou o seu café com leite e o seu pão com 
manteiga e foi espaçar  para a chácara, à espera do almoço.
      A mulher segui-o e, logo que o alcançou, bateu-lhe no ombro:
      -  Então você não se avia, criatura?! Você não vê que o homem quer dinheiro e que 
estamos ameaçados de ir para o olho da rua, seu  Pereira?!
      -  Mas, que hei de eu fazer, nhanhã?... 
      -  Ponha-se em movimento! Vá aos seus parentes, vá aos seus amigos, vá ao inferno! 
Contanto que  arranje alguma coisa para tapar a boca  daquele judeu! Não me volte de mãos 
abanando, porque não lhe abro a porta do quarto, percebe?! Você bem sabe que, se bem o digo, 
melhor o faço!
      E, vendo que  Pereira não se mexia:
      -  Então!
      -  Mas eu hei de sair sem almoçar, nhanhã?...
      -  Pois vá lá! Almoce. Mas é engolir e pôr-se a andar!
      -  E dinheiro para o bonde?
      - Que? Você já gastou os cinco mil-réis que lhe dei anteontem?!
      Pereira explicou que os havia gasto contra a vontade, porque uns sujeitos o obrigaram a 
pagar cerveja e doces numa confeitaria.
      -  Você é um palerma! Disse a mulher. -  Tome lá mil e quinhentos. Mas veja agora se 
também os vais comer de doce!
      
      * * *
      
      
      Desde a véspera, entretanto, que Amelinha não se despregava do lado de Amâncio, 
senão quando este dormia ou quando precisava ficar só; levou a costura para o segundo andar, e 
pôs-se a coser no corredor, assentada à porta do quarto do seu doente.
      Uma esposa não se mostraria mais afetuosa; ao menor gemido  do enfermo, corria logo 
para ele, sempre meiga, sempre desvelada.  Procurava ajudá-lo a suportar a monotonia da 
moléstia; procurava  animá-lo, distraí-lo, fazendo por Ter graça, recorrendo, para o entreter, ao 
que sabia de mais espírito. Seu pézinho, leve e calçado de duraque, parecia não tocar no chão; 
seu rostinho, mimoso e fresco como um jambo, não se contraía ao fartum insalubre das 
variolóides.
      E dir-se-ia  que tudo aquilo não visava ouro interesse que não fora a mesma caridade e a 
mesma dedicação. Nem  uma queixa, nem um suspiro, nem um olhar, nem um gesto, que 
traíssem a esperança de recompensas futuras, era o bem pelo bem.
      O  provinciano, muito desvigorizado com a moléstia, sentia perfeitamente que os 
lúbricos impulsos,  que dantes lhe inspirava a graciosa rapariga, iam-se agora destecendo e 
dissipando à luz de um novo sentimento de gratidão e respeito. A primitiva Amélia desaparecia 
aos poucos, para dar lugar àquela extremosa criança, àquela irmãzinha venerável, que lhe enchia 
o quarto com o frescor balsâmico de sua virgindade e rociava-lhe o coração com a trêfega 
mimalhice de sua ternura.
      Nos momentos da comida é que se podia ver. Amâncio tinha grande inapetência  e 
torcia o nariz aos alimentos; mas  a pequena metia-o em brios, chamando-lhe piegas , fracalhão, 
dizendo que ele "parecia  um neném e que precisava levar uns petelecos para tomar juízo".
      E atava-lhe ao pescoço o guardanapo, esfriava-lhe a canja, soprando amorosamente as 
colheradas, e,  para lhe provar o    apetite, paparicava também o que vinha e, com estalinhos 
de língua, dizia e repetia que estava tudo muito bom e muito gostoso.


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      Ele, às vezes, já se fazia mais doente e mais carecido de cuidados, só para desfrutar os 
mimos da enfermeira.
      
      
      XII
      
      
      
      Dias depois, o médico declarou que  Amâncio estava livre do maior perigo. -  As 
bexigas foram boas e secariam prontamente, sem quase deixar sinal na  pele.
      Dentre  em pouco abria-se a janela do n.o 6 , recolhia-se a ultima roupa que servira à 
moléstia, defumava-se o quarto pela última vez, e o mimalho entrava afinal na convalescença.
      Logo porém, que  deixou a cama , apareceram-lhe dores reumáticas na caixa do peito e 
nas articulações de uma das pernas. Era o sangue de sua ama - de- leite de leite que principiava 
a rabear. Bem dizia outrora o médico a seu pai, quando este a  encarregou  de amamentar  o 
filho.
      E, pois, vieram os remédios para a nova enfermidade, e Amâncio, a despeito de sua 
impaciência para ganhar  a rua, continuou encurralado na casa de pensão  e submetido a uma 
dieta rigorosa. Sabino, que o Campos lhe remetera na véspera, tomou conta do  lugar que o 
copeiro exercia durante a noite.
      Nesses dias , Lúcia muito pouco se chegou para  o estudante, receava com isso 
provocar. da parte do Coqueiro alguma violência contra si.-  Ah!  ela bem sabia que era 
guardada à vista; toda aquela família já  nem ao menos disfarçava a vigilância em que a trazia; 
andavam todos eles, desde a velha até ao pequeno, a lhe fariscar os passos, descaradamente 
empenhados em afastá-la o mais possível de Amâncio. -  Súcia de bandidos!
       Com efeito, nunca mais lhe foi     possível até aí fazer ao rapaz uma ou outra visita 
noturna. Mas, justamente no dia em que se arejou o quarto, estava Amâncio estendido na cama, 
a reler um esfacelado volume do Alencar, quando de repente se abriu a  porta e Lúcia surgiu , 
aflita e apressada, correndo para ele num formidável alvoroço.
      Seriam mais de onze horas da noite e a família do Coqueiro estava já recolhida.
      Amâncio  assustou-se com a visita, mas nem por isso a estimou menos.
      Quis, antes de tudo, saber que terrores eram aqueles.
      
      -  Que diabo havia acontecido? - Mas se alguma coisas ruim acabava de suceder a 
Lúcia, era, com certeza, por castigo, que ela estava uma ingrata muito grande; já não aparecia 
aos pobres; naturalmente tinha medo das bexigas!...
      -  Oh! não! não! vozeou a ilustrada senhora, agarrando-lhe ambas a mãos com 
transporte. -  Não! Tudo que vier de ti, Amâncio, tudo que te pertence e diz respeito é bom e 
sublime para mim!
      E correu de novo à porta, certificou-se de que a casa estava bem sossegada, e tornou 
para junto do estudante, apalpando dos lados e circunvagando olhares inquietos.
      Sabino já se havia esgueirado discretamente pelo corredor; enquanto o senhor-moço,, 
ainda meio aturdido com a agressão melodramática de que fora vítima, apanhava, uma por uma, 
as folhas do Alencar, que se tinham espalhado aos pés da cama.
      - Pois olhe, ninguém o acreditaria!... disse ele voltando afinal, do seu espanto e      
pousando o livro sobre o   velador.
      - Porquê? Interrogou Lúcia muito séria e muito dura defronte do rapaz. 
      - Ora, Porquê!...Porque já não há quem a veja! Porque a senhora arribou deste quarto, 
como se aqui alguém lhe quisesse fazer mal!
      Ela respondeu com um sorriso de tristeza e um resignado sacudimento da cabeça.


[Linha 4600 de 8244 - Parte 3 de 5]


      - Os fatos, pelo menos, assim o acrescentou o doente.
      - Mas, valha-me Deus! Tornou a outra. - Pois não vês a perseguição que sofro aqui por 
tua causa? Não vês que sou espiada, seguida e vigiada a todos os instantes?! Não vês o ciúme 
que Mme.      Brizard, o Coqueiro, a tal Amélia, Nini, o diabo! Afetam por ti?!
      - O ciúme?...perguntou Amâncio , deveras espantado. - Mas o ciúme, como? Por quê?
      -  Criança!...disse ela. E passou a mão na testa.-  Estás na aldeia e não vês as casas!
      - Eu?!
      - Sim, tu!
      E, assentando-se à beira da cama, para lhe ficar mais perto, continuou, diminuindo o tom 
da voz:
      - Pois não percebes, filho, que toda esta gente quer fazer de ti uma propriedade sua; que 
esta gente te considera um tesouro precioso e teme que lho furtem? Não percebes, meu 
Amâncio, que há aqui um plano velho, tramado para te fazer casar com Amelinha, isso porque 
és rico e, na tua qualidade de homem de espirito, pouca importância ligas ao dinheiro?!...
      - Não! Dou-te a minha palavra em como, até aqui nada percebia de tudo isto!...
      - Pois fica, então sabendo que há uma grande conspiração contra ti ou, por outra, contra 
os teus bens!
      - Ora essa! disse ele em voz baixa.
      - Todos esses carinhos que eles ostentam, todos esses cuidados e desvelos artísticos, são 
laços armados à tua ingenuidade!
      - Estão bem arranjados!...respondeu Amâncio, - se esperam que eu case com Amelinha!
      - Não sejas hipócrita!...acudiu a outra. - Tu gostas dela; não negues.
      - Ah! gosto, não nego. Mas gosto, sem intenção de espécie alguma; gosto, coitada, 
porque ela nunca me fez mal, porque até lhe sou grato aos seus obséquios! Mas daí para casar!...
      E, depois de um assovio de grande esperteza:
      - Não é o meu tipo, o meu ideal! Demais, ainda não penso em casamento, nem sei se 
algum dia pensarei nisso!
      - Por quê?
      - Ora, respondeu ele - não vale a pena a gente se casar! Há por aí tanta desgraça, tanta 
decepção que, para falar com franqueza, não tenho ânimo...
      - Julgas assim tão mal as mulheres?...
      - Com  franqueza é exato, filha! Não digo que não haja mulheres virtuosas; isto, porém, 
é raro!...Prefiro não arriscar!...
      - Desconfio de tanto ceticismo na tua idade!
      Ele agitou os ombros.
      - Um homem com esses princípios é incapaz de amar...ajuntou ela.
      - Tens em mim a prova do contrário...retorquiu Amâncio sorrindo.
      - Em ti?...
      - Sim, e sabes disso perfeitamente!
      - Disso, o quê?
      - Que te amo...
      - Não creio...
      - Nesse caso, o cético não sou eu!
      - Se me amasses, já  mo terias provado...
      - Provado?
      - Está claro. Não acredito nesse amor cauteloso e metódico, que de tudo se arreceia, que 
se não quer expor, que tem calma para medir todas as conveniências, que teme os olhares, os 
ditos, as considerações de todo o mundo, quer vem finalmente  muito mais da cabeça  que do 
coração!
      - Não acreditas, então , que eu te ame?...


[Linha 4650 de 8244 - Parte 3 de 5]


      - Não, decerto! Nem te crimino por isso!...És ainda muito criança, para sentires o 
verdadeiro amor, a verdadeira paixão. Essa que não conhece obstáculos; que tudo pode e tudo 
vence; que é capaz de todos os sacrifícios, sejam do bem ou sejam do mal; essa que levanta os 
grandes crimes ou os grandes heroísmos! Amar, tu! E porventura saberás ao menos o que é o 
amor?! Algum dia experimentaste, por acaso, o ciúme, o desespero, a loucura, a que nos conduz 
o objeto amado? Não! Não queiras amesquinhar o único sentimento que até hoje se tem 
conservado puro! Não queiras amesquinhar a coisa única respeitável que resta sobre a terra! Para 
que possas falar a esse respeito, primeiro é necessário que ames! É preciso que dês alma, vida , 
futuro, esperanças, tudo , a uma mulher! é preciso primeiro que te esqueças de teus sonhos mais 
queridos, de tuas melhores aspirações, para só cuidares nelas, viveres delas e para ela! Então, 
sim! eu acreditaria em ti!
      E Lúcia apoderou-se novamente das mãos de Amâncio, e as palavras borbulharam-lhe 
com mais febre:
      - Amor é o que sinto por ti, entendes?! Amor é o que me faz esquecer a minha 
responsabilidade, o meu destino, o meu dever, para estar aqui a teus pés, alheia a tudo, 
esquecida do passado, descuidosa do futuro; só para te ver , só para te ouvir, só para me saturar 
toda de tua presença!..
      Entretanto... disse Amâncio, procurando afinar a voz pelo tom enfático com que falava a 
outra, -  entretanto, nunca me permitiste fruir contigo os verdadeiros e mais saborosos proveitos 
do amor! Tiveste a cruel habilidade de transformar um manancial de gozos em fonte perene de 
tormentos e dissabores! Se me amas, digo-te eu agora, por que evitas a todo transe que eu vá 
além dos nossos beijos?... Se me amas, por que impões o suplício do teu rigor? Ah! eu só 
acreditaria na sinceridade de tais protestos se fosses generosa comigo....
      - Não! não! contrapôs ela abraçando-o_ Nunca faltarei aos meus deveres! Nunca trairei 
meu marido! Serei capaz de uma loucura; não, porém de uma infâmia! Seria capaz de fugir 
contigo, abandonar tudo por tua causa; mas introduzir-te covardemente na minha alcova, nunca! 
Aceitaria um crime, sim! mas havia de aceitá-lo sob todas as responsabilidades, com todas as 
conseqüências que ele viesse a produzir!  Seria tua, mas não enganando a um outro; seria tua, 
mas toda, inteira, lealmente! Abandonaria por tua causa meu marido; antes, porém de o fazer, 
dir-lhe-ia com franqueza: "Fulano! Amo um outro Não posso continuar ao teu lado, sem que te 
engane todo os dias e a todos os instantes! Por isso-   vou! Amaldiçoa-me , se quiseres, mas 
não te perturbes a minha felicidade" Deixaria de ser esposa, para ser concubina! Trocaria meu 
nome, minha posição, por algumas horas de delírio, por algumas horas de sonho; mas, em todo o 
caso, a consciência nunca me acusaria, o coração jamais se teria de maldizer!
      - Vês?! Disse ela, esfolegando cansada de falar. - É por isso que até hoje me tenho 
portado deste modo contigo; é por isso  que domo os meus impulsos e os meus arrebatamentos! 
- Sou de outro, não me possuo, não posso dispor disto!
      E sacudia todo o corpo, com uma obstinação provocadora e canalha.
      Amâncio olhava para ela , mordendo os beiços.
      - Se é verdade que me queres possuir...disse a  intransigente, depois de uma pausa em 
que se ouvia a respiração dos dois. - Arranca-me das mãos de meu marido e leva-me para onde 
bem quiseres, faze de mim o que entenderes! Serei tua amante, tua companheira, tua escrava; 
serei tudo que ordenares, contanto que eu já não pertença a nenhum outro, contanto que eu 
tenha comprado com o risco de minha vida a felicidade de nós ambos!
      E Lúcia, agitando romanticamente os cabelos, que ela por cálculo trazia soltos essa noite, 
perguntou com ímpeto: 
      - Compreendes agora a minha reserva?! Compreendes que , apesar de minhas recusas, eu 
te adoro, meu Amâncio, meu amor, minha vida?!
      Entretanto, acrescentou ela, quando se convenceu de que Amâncio não queria cair no 
laço - tenho fatalmente de abafar todos os meus sentimentos, tenho de calcar todos os meus 


[Linha 4700 de 8244 - Parte 3 de 5]


desejos, porque amanhã nos separamos.
      Amâncio ergueu-se, pasmado.
      - Como nos separamos?...interrogou.
      - Eu amanhã me retiro desta casa...esclareceu Lúcia, sem erguer os olhos. -  Vou, e ainda 
nem sei para onde! Mas, não poso deixa de ir: manda-me a dignidade que aqui não fique nem 
mais um instante!
      - Como assim? Explica-te!
      - Oh! não me perguntes nada! Não me perguntes nada, porque, só o que te posso afirmar 
é que esta súcia...E indicava o andar de baixo com um gesto trágico. - Esta súcia, receosa de que 
eu te dispute a Amelinha, obriga-me a sair, obriga-me  a separa-me de ti! Ah! os miseráveis 
sabem o quanto eu te amo, meu Amâncio! Temem que eu seja um estorvo ao teu casamento com 
ela.
      - Mas, filha, como te podem eles constranger a sair?...
      - Não me obrigues a falar, por amor de Deus! Eu não quero, não devo dizer mais nada!
      - Ora1 Isso não é  generoso de tua parte! Se não podes usar de franqueza, para que 
então me excitas deste modo a curiosidade? 
      - Não! Não te poso dizer mais nada! Repele-me, se assim entendes, manda-me embora, 
mas, por piedade, não me obrigues a corar em tua presença!..
      - Corar em minha presença?...Não te entendo , filha! Fala por uma vez. Abre o coração!
      - Nunca! Nunca!
      - Mas é que tu me torturas Lúcia!
      E  acariciando-a: 
      - Vamos! Não sejas criança, fala com franqueza...Dize o que te fizeram! Não acreditas 
então que sou teu amigo? teu amiguinho? Não crês que representas em minha vida uma 
preocupação constante, um sonho, uma esperança?...
      - Sim, sim, acredito, meu amor, mas não me obrigues a tratar de coisas, nas quais ainda 
não tenho  o direito de falar!...
      - Ora! Que segredo pode ser esse, tão negro, tão repugnante, que não mo queiras 
dizer?...É preciso que eu mereça muito pouco a tua confiança!..
      - Não, não é isso, mas é eu me falta o ânimo para confessá-lo...Mudemos de conversa....
      
      - Não queres dizer? Bem! Acabou-se!
      - Oh! não me fales desse modo, meu querido!
      - Então dize o que é.
      - E prometes que não me acharás ridícula?...prometes que a revelação do que te vou 
dizer não me amesquinhará aos teus olhos?...
      - Juro!
      Lúcia tirou uma carta do seio e entregou-a ao estudante
      Logo que este principiou a leitura, ela cobriu o rosto com as mãos, como para esconder a 
vergonha.
      Amâncio leu o seguinte em voz baixa:
      " Sr.ª D. Lúcia Pereira..  Há quatro dia que entreguei a seu marido uma Segunda conta 
do mês passado e deste mês, e, visto que até agora não tenho recebido senão desculpas e 
promessas, tomo a liberdade de participa-lhes que, de hoje em diante, não posso continuar a lhes 
fornecer comida e que preciso urgentemente do cômodo ocupado pela senhora e seu marido. 
Espero, pois, que até amanhã esteja o quarto n.º 8 desembaraçado e a minha conta selada e 
assinada pelo Sr. Pereira; sem o que, pesa-me dizê-lo, não consinto que V.S.as levem consigo a 
sua mulata, que é o único bem de que posso lançar mão para garantir a dívida " 
      Estava assinado por extenso o nome de João Coqueiro.
      Amâncio dobrou a carta silenciosamente, ao passo que Lúcia continuava a esconder o 


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rosto.
      - Em  quanto importa?...perguntou ele depois.
      Ela, conservando uma das mãos nos olhos, tirou com a outra a conta do seio, e 
passou-lha, sem dizer nada.
      -  "Quatrocentos e sessenta mil-réis", leu o moço para si. E fez um trejeito com os olhos.
      Lúcia, ao lado, soluçava, sempre com o rosto coberto. 
      Amâncio pensou um instante, e disse:
      - Não te aflijas...Eu poso, se quiseres, arranjar o dinheiro para amanhã...
      Ela, então , descobriu a cara e, sem uma palavra, abraçou-se ao rapaz e começou a 
chorar.
      - E hoje, perguntou ele, quando Lúcia já se dispunha a sair - hoje mereço um beijo?...
      
      Ela correu para Amâncio, sorrindo, e com os olhos fechados, estendeu-lhe os lábios. 
      O estudante, com as duas mãos abertas, segurou-lhe a nuca e principiou a sorver o "seu 
beijo", demoradamente, voluptuosamente, como se estivesse bebendo por um canjirão.
      Lúcia, porém, ao perceber que a coisa se demorava muito, arrancou a cabeça das mãos 
do rapaz e fugiu.
      
      
      * * *
      
      
      As nove horas da manhã subseqüente, voltava o Sabino da  casa do Campos com  a 
resposta de uma carta em que o senhor-moço  pedia o dinheiro necessário para satisfazer as 
dívidas de  Lúcia.
      João Coqueiro ficou assombrado quando recebeu a quantia; correu logo em busca  da 
mulher.
      -  Sabes? Disse assim que a viu. -  Pagaram ? 
      -   Hein?!  Fez Mme. Brizard, com espanto. -  Pagaram?! Tudo ?!...
      -  Integralmente! Cá está o cobre! 
      E, depois do silêncio da admiração:
      -  E que  te parece, a ti, hein, Loló?!..
      -  Parece-me bom... a metade está feito; agora já não se trata de receber-lhe a conta, é só 
de os pôr fora de casa?
      -   Sim ... mastigou o marido.-  mas agora também é mais difícil fazê-lo desarvorar! Já 
não temos um pretexto para isso!...
      -  Pretextos não faltarão... respondeu a francesa, e acrescentou: -  O que me faz cismar 
é este dinheiro arranjado assim à última hora... porque eles, ainda ontem, estavam bem 
apertados e o Pereira não arredou o pé de casa durante o dia!
      O marido refletiu um instante, e depois exclamou, com vislumbres de quem se sente 
roubado:
      -  Ora, querem ver que aquela raposa arrancou estes cobres ao Amâncio?!...
      Mme Brizard confirmou alvitre com um gesto de cabeça.
      -  E olha que não é outra coisa! Repetiu o Coqueiro. -  Que hoje o Sabino, desde muito 
cedo, tinha já que fazer à rua!
      -  Ora essa!... resmungou a Brizard, indignada e ressentida, como se aquele desfalque na 
carteira do estudante lhe trouxesse um prejuízo imediato.-  Ora essa!...   sempre se vêem coisas 
neste mundo !...
      -  Mas deixa estar que hei de saber de tudo!... Prometeu o locandeiro.
      E , com efeito, daí a pouco o próprio Sabino lhe confessava que  fora pela manhã à casa 


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do Campos levar uma carta e que voltara com outra, recheadinha de dinheiro em papel.
      O locandeiro revoltou-se, mas a usa indignação subiu verdadeiramente ao cúmulo, foi 
quando lhe constou que o bom do Amâncio para  ter  ocasião de estar mais tempo com Lúcia 
recorria  a todos os meio e modos de afastar Amélia do quarto.
      -  Diz que não quer ser importuno ,contou a rapariga, - Que já basta os incômodos que 
me tem dado,  que não se acha com o direito de fazer de mim uma irmã de caridade, e de 
obrigar-me a suportar as suas amolações! E que eu viesse aqui para baixo rir e conversar com os 
outro, que ele teria nisso muito mais prazer.
      -  E tu, que lhe disseste? Perguntou o irmão.
      -  Eu disse que sentia o maior gosto em prestar  ao Sr. Amâncio aquelas insignificâncias 
de  serviços; que, se os fazia, era por motu próprio!
      -  E ele? 
      -  Ele disse que não, que não admitia, e que ficava até muito contrariado, se eu não 
viesse embora!
      -  Vês?! Perguntou João Coqueiro à esposa, apontando para a irmã.-  Vês?! Tudo isso é 
obra da Sra. Lúcia!.
      E, depois de uma pausa aflita: 
      -  Aquela mulher não nos pode ficar em casa! Haja o que houver é preciso que ela se vá 
daqui  quanto antes!
      E deu a sua palavra de honra em como havia de  pôr cobro a semelhante patifaria.
      Não sossegou essa noite. Enquanto os mais dormiam, andava ele lá  por cima, a farejar 
nas trevas, grudando-se contra as paredes e escondendo-se pelos cantos.
      Passou assim algumas horas; mas afinal, viu Lúcia sair do quarto, pé ante  pé, atravessar 
a medo o corredor e sumir-se às apalpadelas, na porta do n.º 6 .
      A sua primeira idéia foi a de chamar o Pereira e mostrar-lhe a mulher no latíbulo do 
amante, mas considerou que o homem seria capaz de romper com ela e, nesse caso, a ligação de 
Lúcia com o provinciano tornar-se-ia inevitável. -  Nada! pensou ele .Deixemo-nos disso.
      Mas, também, não convinha esperdiçar uma ocasião tão boa para desmascarar a tal 
sujeira.
      Encaminhou-se, pois , na direção do   quarto do estudante. Lúcia, ao sentir que alguém 
se aproximava, correu a fechar a porta por dentro, e fez sinal de silêncio ao enfermo.
      Coqueiro parou defronte do n.º 6 e bateu.
      -  Quem é? Perguntou Amâncio, no fim de pequena pausa, com a voz levemente 
alterada.
      -  Sou eu, disse o outro. Precisava dar-te duas palavras... como vi luz no quarto... 
      -  Desculpa ! respondeu o doente. -  Mas agora não me posso levantar. Até logo!
      -  Boa noite! Resmungou o dono da casa, e afastou-se.
      Lúcia fingiu-se muito assustada com aquilo: -  O Coqueiro, se veio ali, foi para mostrar 
que sabia de tudo! Naturalmente espiara pela fechadura!
      E pendurou logo uma toalha na chave.
      -  É o que se chama ter fama  sem proveito!...  Observou Amâncio, a quem as negaças 
da mulher do Pereira já impacientavam.
      -  Está em tuas mãos!... Volveu ela. -  Já expus com franqueza as circunstâncias... 
      -  Tirar-te do marido...
      - Está claro!
      -  Isso por ora  é impossível!... Mais tarde, não digo que não, mas por enquanto...
      -  É porque não me amas, disse a ilustrada  senhora, abaixando os olhos.
      -  Se te amo, minha vida! Se te amo!...
      E  ameigava-a, procurando  beijá-la.
      Ela fugia com o rosto, dizendo aflitivamente que preferia nunca o ter visto. "Antes   de 


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conhecê-lo, ainda conseguia suportar o marido abominável a que a prendera o destino, mas, 
depois que fantasiara a possibilidade de viver com Amâncio,  de  possuí-lo, todo, sem que 
outra o disputasse, não mais podia entestar com a miserável existência que levava e com os 
dilacerantes  sacrifícios que lhe cumpriam!"
      Dito este fraseado, foi-se do quarto ,   como das outras vezes, a fazer-se rogada, a 
medir os beijos que dava, a  prometer que não voltaria mais,  se Amâncio persistisse nas 
costumadas exigências.
      -  Ora bolas!...   praguejou este,  quando se achou  só. -  Desta forma é melhor mesmo 
que não venha! Põe-me neste estado e afinal musca-se, ainda por cima emburrada! Gaitas!
      Mas a idéia de que aquela resistência talvez não durasse  mais do que o tempo da 
moléstia o consolava em parte.-  Sim, porque, em ficando bom, as coisas seriam de outro feitio! 
Tinha graça que ele estivesse a pagar contas de quatrocentos e tantos mil-réis, só para desfrutar 
a certeza de que a Sra. D. Lúcia o amava com todo ardor de que é capaz uma alma pura e 
apaixonada! Qual! Por semelhante preço preferia não ser amado!
      E adormeceu, impaciente por sair da moléstia, e entrar no gozo da felicidade que ele 
acabava de pagar adiantado, como se abrisse para todo o ano uma assinatura de amor.
      A ilustrada senhora conseguira o que esperava: as suas negaças faziam-na mais desejada 
pelo rapaz e davam-lhe, aos olhos deste irresistíveis fascinações de coisas proibida.
      Certas mulheres, quando se negam, estão recuando para melhor armar o salto sobre a 
presa.
      
      
      * * *
      
      
      Logo pela manhã do dia seguinte, já o Coqueiro se apresentava no quarto do 
provinciano, mas com o aspecto muito ressentido, os gestos duros, o olhar cheio de 
recriminações. 
      - Então, ontem à noite, tinhas aqui a Lúcia?...inquiriu de chofre, depois de cumprimentar 
Amâncio secamente.
      O interrogado fez uma cara de espanto. 
      - Não podes negar! Eu a vi sair!...
      - Ë exato, respondeu o doente, franzindo as sobrancelhas.
      - Hás , porém de permitir que eu te diga que andaste muito mal!...repontou o Coqueiro. - 
Tens de concordar que eu não posso, nem devo consentir em casa semelhante coisa!
      E foi até a janela, olhou a rua pelas vidraças. Amâncio não dava uma palavra
      O outro voltou, muito comprometido.:
      - Isto aqui é uma casa de família! Sabes perfeitamente que temos conosco uma menina 
solteira, - uma virgem! Não é por mim, nem por ti, nem tampouco pela Lúcia; mas é por ela, 
sebo! por - minha irmã! - a quem sirvo de pai! É por minha mulher, é por minha enteada e pelo 
menino, é pelos hóspedes, enfim!...
      - Pois acredita que não houve nada demais!...balbuciou Amâncio.
      - Não, filho, tem paciência! Lá fora o que quiseres, mas daquela porta para dentro, não 
admito, nem posso admitir!...E passeando pelo quarto com as mãos nas algibeiras: - Que diabo! 
Eu te preveni!...
      - Ora o quê! Resmungou Amâncio , indignado com a hipocrisia do colega, mas sem 
coragem para dizer o que sabia a respeito dele e dos costumes da casa. - Não abro o 
exemplo!...acrescentou.
      - O que queres dizer com isso?
      - Quero dizer que sei, tão bem como tu, que aqui nem todos são santos!...


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      - Não te percebo...- 
      - E é melhor mesmo justamente que não percebas
      Mas , como o outro ainda se quisesse fazer de desentendido, ele declarou, frisando as 
palavras, que nem sempre ficava a dormir no quarto durante a noite e que então enxergava, às 
vezes...,melhor do que mesmo de dia...E falou indiretamente nas entrevistas do médico do n.º 
11 e no que sabia do próprio Coqueiro com referência à mucama.
      - Olha! Concluiu: - O que te posso afiançar é que a mulher do Pereira só vem aqui ao 
quarto depois que me acho doente, e, longe de ser com mau fim, coitada, é até com muito boa 
intenção! - Entra, cavaqueia um pouco, dá-me a tomar o remédio e assim como veio se vai 
embora, entendes tu?!
      - Não há dúvida...gaguejou o hoteleiro, cuja fúria se esvaziara de repente às bicadas do 
outro, que nem um balãozinho de borracha. - Não há dúvida que tu és incapaz de cometer 
qualquer leviandade dentro de uma casa de família; mas, a questão são as aparências, são as más 
línguas, são os outros hóspedes! Não os conheces, filho! Nenhum deles acreditará que Lúcia 
venha ao teu quarto só para te dar o remédio e meio dedo da palestra!...Sei perfeitamente que 
isso é exato, basta que o digas; eles , porém, não terão a mesma boa - fé! Muito mais sabendo, 
como sabem, de quanto é capaz aquela sujeita! Logo quem!...
      - Oh! interjeicionou Amâncio. - Uma senhora casada!...
      - Casada o quê!...Da missa não sabes nem a metade!
      - Então ela não é casada com o pereira?...
      - Nunca o foi! Com ele, nem com pessoa alguma! Conheço até a mulher do Pereira, a 
legítima, -  uma velhusca, de óculos, gorda, com um olho agachado, cheio d 'água. Mora na 
Rua da Pedreira.
      Amâncio estava tão pasmo quanto indignado; aquela denúncia do colega produzia-lhe o 
mau efeito que experimentamos ao dar por falta do relógio. - Pois o demônio da mulher nem ao 
menos era casada?!...Ele, então, que diabo de papel representara?!...
      - Cínica! Disse em voz alta.
      - Ora! Fez o outro.  - Não trates de abrir os olhos e dir-me-ás depois as conseqüências!...
      No Rio de Janeiro, prossegui-  havia muito artista daquela força! Amâncio precisava 
acautelar-se, se não queria ser esfolado completamente. Lúcia o que desejava era agarrá-lo para 
amante: farejava-lhe os cobres! Ele, porém, que não fosse tolo! Que se não deixasse visgar por 
uma tipa de tão baixa espécie!
      O provinciano jurava que , até ali, jamais conseguira coisa alguma das mãos dela.
      - Isso sei eu!...Tornou o Coqueiro, com um riso de velha experiência, - isso não é 
necessário que me digas, porque já conheço a tática das Lúcias! Negam-se, fingem-se difíceis, 
para valer mais! Quer obrigar-te a cair, toleirão!
      - Está bem aviada! Exclamou Amâncio, justamente como ainda na véspera havia 
respondido à Lúcia, quando esta lhe falou a respeito de Amélia.
      Ainda nesse dia o Coqueiro aproveitou a ocasião em que o Pereira fazia a sesta e foi se 
entender com a Lúcia.
      Disse-lhe o que sabia a respeito das visitas noturnas ao quarto de Amâncio e declarou 
terminantemente que não estava  disposto a consentir em casa semelhantes escândalos. Ela que 
tivesse paciência, mas fosse tratando de fazer as malas e cuidando de  pôr-se ao fresco, se não 
queria sofrer alguma decepção maior!
      A ilustrada senhora ficou lívida, e disparou sobre o locandeiro o mais terrível dos seus 
olhares. Uma cólera massuda principiou  a entupir-lhe a garganta. - Não queria acreditar em 
tamanho atrevimento!
      - Ë, gritou por fim, trincando as palavras. - Você põe-me fora de casa, porque tem medo 




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